Não tenha medo de vir a Barcelona
Deixar-se paralisar por um atentado terrorista é permitir que o inimigo cante vitória
Nova York, Madri, Paris, Nice, Londres… A cada ato de ódio deliberado contra inocentes, nós, pessoas de bem, nos horrorizamos, empatizamos, sofremos, sentimos revolta, respiramos, tentamos manter a fé na humanidade e tocamos a vida. Mas vivê-lo na porta de casa é muito diferente. De uma hora para a outra, o que era apenas uma ideia óbvia vira uma constatação: o horror não acontece apenas com os outros. Eu não estava lá. Mas também fui atropelada por aquele furgão. E está doendo muito.
Todos nós, barceloneses, sabíamos que poderia acontecer. Ainda que nem sempre ganhem as manchetes internacionais, desarticulações de células jihadistas acontecem aqui com muita frequência (desde o atentado da estação de Atocha, em Madri, mais de 650 pessoas foram presas por vínculos com o terrorismo islâmico na Espanha, muitas delas na Catalunha). Mas ninguém estava preparado para isso: um furgão encharcado de sangue abandonado sobre um mosaico concebido por Joan Miró, deixando um rastro de 13 mortos e uma centena de feridos no lugar onde são celebradas as vitórias do Barça, entre bancas que vendem flores.
O terrorista escolheu o lugar a dedo, para ferir pessoas do maior número de procedências possível (até o momento, sabemos que há gente de 34 nacionalidades entre as vítimas) . Além de ser o epicentro turístico da cidade, a Plaça Catalunya, onde começam as Ramblas, também é um dos principais hubs de transporte. E a Carrer de Pelai, onde o furgão teria tomado embalo para entrar no calçadão reservado aos pedestres, é uma das vias comerciais mais movimentadas de Barcelona.
Por que Barcelona? Acima de tudo, porque qualquer cidade ocidental é, hoje em dia, um alvo dessa gente doente que prega o jihadismo. O fato da capital catalã sempre ter sido um lugar acolhedor para todas as crenças pouco importa para esses assassinos irracionais. Cerca de 15% da população da cidade é formada por estrangeiros. Ao longo dos séculos, a cidade também acolheu milhares de espanhóis vindos de outras partes do país. Paz, convivência e diversidade são bandeiras levantadas por grande parte da população – foi aqui, aliás, que se instalou o “contador da vergonha”, para contabilizar o número de refugiados mortos no Mediterrâneo. Ao contrário do que acontece na periferia de Paris ou de Londres, em Barna não há um conflito racial exacerbado. Milhares de paquistaneses, marroquinos e africanos procedente de países muçulmanos moram aqui em uma convivência quase sempre pacífica. E basta caminhar pelas ruas do Raval, que concentra grande parte da comunidade, para ver isso de perto.
À exceção das sirenes e do constante barulho de helicópteros, a última noite foi assustadoramente silenciosa. Bares, lojas e restaurantes fecharam antes da hora. A Festa Major de Gràcia, um dos eventos mais alegres e boêmios do ano, foi temporariamente suspensa. Um calor pesado pairava sobre a cidade.
Mas, hoje, ao meio-dia, milhares de pessoas ocuparam a Plaça Catalunya e as Ramblas para dar um recado: “no tinc por” (não tenho medo, em catalão). Assim como nós, barceloneses, os turistas que visitam esta cidade gloriosa à beira do Mediterrâneo não podem deixar que o medo os paralise. Mais do que os corpos estendidos nas Ramblas, o objetivo dos terroristas é justamente esse. E eles não podem vencer. Não desista de Barcelona.
Em tempo: fisicamente, estou bem, assim como toda a minha família e todos os meus amigos (agradeço imensamente o carinho do muitos leitores que me escreveram via Facebook e Instagram para demonstrar solidariedade). Na hora do atentado, estava trabalhando em casa. Do meu círculo mais próximo, apenas o amigo de um amigo estava nas Ramblas e escapou ileso. Mas poderia ter sido bem diferente. Meu marido tinha estado lá 24 horas antes. E meu irmão passa pelo trecho atingido das Ramblas algumas vezes por semana a caminho do trabalho.