Capitólio é muito mais do que o Lago de Furnas; conheça passeios
Trilhas por dentro d'água, lagos esverdeados, piscinas naturais surreais, mirantes vertiginosos e muito queijo Canastra para coroar
A tensão toma o lugar da descontração à medida que a lancha se aproxima do cordão de isolamento, formado por boias e vigiado por fiscais. Eu e os demais passageiros somos obrigados a vestir capacetes e coletes salva-vidas, além de assinar um termo de anuência. Depois que a papelada é entregue aos funcionários locais, um barco por vez recebe autorização para seguir caminho. Essas são as novas regras para visitar o ponto exato onde um bloco rochoso desabou e atingiu quatro lanchas em janeiro de 2022. O lugar continua sendo uma das paradas dos passeios pelo Lago de Furnas, em Capitólio, devido à presença da Cachoeira do Cânion de Furnas. O cenário é inegavelmente bonito e, por isso, o primeiro instinto é o de sacar o celular para fotografá-lo. Mas a lembrança da tragédia que causou dez mortes, ainda muito recente na memória, faz a mão parar no meio do caminho. Tirar uma selfie parece ainda mais inapropriado.
Por outro lado, essa é apenas uma das paradas dos passeios pelo lago, que podem ser feitos em chalana (maiores e mais lentas) ou lancha (menores e mais rápidas). Os roteiros de três a quatro horas de duração partem do píer da Ponte do Rio Turvo, às margens da MG-050, ou do bairro de luxo Escarpas do Lago, e visitam também a Cachoeira da Lagoa Azul, a Cascatinha (alcançável apenas de lancha) e o Vale dos Tucanos, com paradas para banho. Eu embarquei no passeio de lancha da FM.S Capitólio, que custa R$ 90 por pessoa. Mas é preciso dizer que, em alguns casos, a proposta é mais baladeira do que contemplativa. Não são poucos os turistas que contratam lanchas privativas e navegam as águas esverdeadas com o som no talo, fazendo paradas em bares flutuantes que quase transbordam de gente em finais de semana e feriados. O lugar está inclusive se consagrando como cenário de “despedidas de casado”. Sim, já inventaram festejos pós-divórcio.
De uma forma ou de outra, o Lago de Furnas continua sendo o cartão-postal de Capitólio. Apelidado de “mar de Minas”, ele é, na realidade, o reservatório formado pela Usina Hidrelétrica de Furnas, que começou a ser construída em 1958 como parte do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek. A obra forçou a desocupação de mais de 35 mil pessoas, além da perda de terras cultiváveis, mas o resultado é de beleza inquestionável: o colosso de 1.440km² banha mais de 30 municípios mineiros formando cânions, cachoeiras e piscinas naturais. Apesar disso, a projeção nacional só se deu nos últimos anos e, em parte, por causa do cantor sertanejo Gusttavo Lima, que costumava postar stories dos seus passeios de lancha no lago. No finado Guia Brasil Quatro Rodas, cuja última edição com rankings foi publicada em 2014, a cidade ocupava meia página e apenas três atrações eram citadas. O que estava de vento em popa caiu vertiginosamente após a tragédia e o destino agora vem se esforçando para mostrar que possui muitos outros atrativos para além do Lago de Furnas. E não é que tem mesmo?
Mirante
O passeio de lancha foi bacana para poder ver de perto os paredões rochosos e as cachoeiras. Só não rolou o mergulho nas águas esverdeadas porque o vento frio do mês de junho não estava dos mais encorajadores. Mas o que realmente me deu a dimensão do tamanho do Lago de Furnas foi a vista a partir do Mirante dos Canyons, outra atração obrigatória de Capitólio. Ali, o visitante paga R$ 42 para ver a Cachoeira do Cânion de Furnas de dois ângulos: de frente, a partir do suspenso Mirante Escondido, e de cima, a partir da Ponte Pênsil, que tem 110 metros de extensão e fica a 40 metros de altura. Ela leva até um segundo mirante, o Clássico, onde é feita a maior parte das fotos do Lago de Furnas que aparecem no seu feed, com o braço d’água formando um “s” entre os cânions. É praticamente irresistível fazer uma selfie ali.
Para quem, como eu, gosta de uma dose de adrenalina, existe também a possibilidade de cruzar de um lado para o outro do cânion se jogando em uma tirolesa a 100 metros de altura. São 600 metros de extensão e o percurso é de ida e volta, o que significa que sobra tempo para deixar a adrenalina inicial baixar e realmente curtir a vista. Nesse caso, é preciso adquirir o ingresso combinado que dá direito aos mirantes e à tirolesa, que custa R$ 120. Por questões de segurança, não é permitido fotografar ou filmar – todos os pertences devem ficar guardados no locker. Mas existe a possibilidade de fazer o percurso com uma câmera 360º acoplada no equipamento, que vai gravando todas as suas reações e a paisagem ao redor (custa mais R$ 80).
O Mirante dos Canyons se transformará em todo um complexo turístico nos próximos três anos. O Cataguá, empreendimento que administra o lugar, anunciou no final de julho a construção logo ao lado do maior parque aquático de Minas Gerais, o Tuná. O projeto desenvolvido pelos mesmos arquitetos do Hot Park no Rio Quente Resorts promete 150 mil m² de área com duas piscinas de ondas, um rio lento em torno de todo o complexo e toboáguas para diferentes faixas etárias. Também faz parte do plano de expansão um resort com piscina de borda infinita debruçada sobre o Lago de Furnas.
Cachoeiras
Tênis, chinelo ou sapatilha aquática? Na dúvida, levei os três para o complexo Canela de Ema (R$ 30 a entrada), onde a aventura começava com uma trilha na água, um conceito que eu nunca tinha ouvido falar. A sapatilha aquática (dá para comprar pela Amazon) acabou sendo a melhor pedida: é basicamente um sapato de neoprene, que pode ser molhado (diferente do tênis) e garante firmeza no pé (diferente do chinelo). Comprei a minha na Sardenha para encarar as praias com fundo de pedra e ela foi perfeita para a atividade em questão, que consistia em andar em fila por um curso d’água. Na maior parte do tempo, a água batia no tornozelo, mas também houve momentos em que ela alcançava o meu quadril e era preciso colocar a mochila na cabeça para não molhar o tênis que estava lá dentro.
No começo, o receio em relação às pedras lisas me forçava a olhar para baixo o tempo todo, mas com o tempo peguei o jeito. Não sem ajuda, claro. Lucas, nosso simpático guia, ensinou: o segredo é sempre pisar nas pedras pequenas, onde o pé afunda, e nunca nas grandes, onde ele escorrega. Ainda assim, houve momentos em que a fila empacava porque alguém ficava na dúvida sobre o seu próximo passo. Mas em poucos segundos Lucas alcançava o ponto problemático em questão, com uma habilidade digna de Tarzan, para mostrar o melhor caminho. A experiência foi divertida e aventureira, sem nenhum grande perrengue, e a recompensa foi encontrar no final do caminho uma bonita piscina natural esverdeada.
Voltamos pelo mesmo caminho e, após uma pausa para tomar água e ir ao banheiro, seguimos para o outro lado do complexo, onde fica a Cachoeira No Limite. O trajeto é curto e rápido: basta descer uma escadaria e caminhar alguns metros para encontrar os primeiros poços para banho. A queda d’água está um pouco mais adiante, descendo por algumas pedras lisas que vão formando uma espécie de escada vertical natural.
Ao final da aventura, vale ficar para almoçar no próprio restaurante do Canela de Ema (R$ 70 a entrada com a refeição incluída), cujo carro-chefe é a carne de lata. Tratam-se de pedaços de carne bovina conservados na banha e assados no fogão de lenha, que chegam à mesa desfiando, saborosíssimos e zero gordurosos. Eles são servidos em um dos maiores PFs que já vi na vida, com salada, legumes cozidos, mandioca frita, farofa, macarrão ao alho e óleo, arroz e tutu de feijão. Um prato serve duas pessoas e ainda sobra. Bom que logo em frente há redes penduradas na sombra, ótimas para fazer a digestão durante uma soneca pós-almoço.
Em outro dia, visitei o Complexo Ecológico Cachoeira da Capivara (R$ 40 a entrada). Do estacionamento, são só 200 metros de caminhada até a Cachoeira da Pedra Ancorada que, antes de despencar em um precipício, forma vários poços. Muitas outras oportunidades de banho surgem ao longo do restante da trilha de 900 metros que, diferente da Canela de Ema, pode ser feita quase sem molhar os pés. O destino final é a Cachoeira da Capivara e sua piscina natural, com águas esverdeadas e cristalinas que beiram o surreal, especialmente quando o sol bate iluminando tudo.
Dá vontade de não ir embora nunca mais, especialmente porque o complexo ecológico proíbe qualquer tipo de som alto, seja de celular ou de caixa de som portátil, para manter a tranquilidade do lugar. Outra preocupação é com a segurança. Ao longo da trilha, há várias “saídas de emergência” e uma dela se fez necessária na volta, quando uma colega do grupo (que estava de chinelo e não de sapatilha aquática, vale dizer) escorregou em uma pedra e torceu o pé. Ela foi carregada até a saída de emergência mais próxima, onde um quadriciclo já estava a postos para levá-la de volta ao estacionamento.
Gastronomia
Como boa mineira, Capitólio adora um queijo. No restaurante Panorama, que tem vista para o Lago de Furnas, um dos destaques do menu é a tilápia empanada com queijo da Serra da Canastra, servida com salada, arroz e purê de abóbora. Achei que o prato seria uma verdadeira mistureba, mas os sabores fizeram muito sentido, com o adocicado da abóbora balanceando o salgado do queijo. Não trocaria meu pedido por nada, mas como alternativa há também um ravióli recheado de queijo da Serra da Canastra ao molho sugo. De sobremesa, vale se arriscar no petit gateau, que pode ser de chocolate ou doce de leite, acompanhado por uma bola de sorvete de queijo. Há quem adore, mas eu prefiro o bom e velho sorvete de baunilha.
O Turvo também fica às margens do Lago de Furnas e prepara uma tilápia recheada com queijo da Serra da Canastra, servida com arroz e fritas. Mas outras especialidades – saborosíssimas – da casa são a tilápia na telha e o medalhão de tilápia envolto em tiras de bacon crocante. De sobremesa, uma fatia de queijo da Serra da Canastra maçaricada na hora acompanha colheradas generosas de doce de leite e goiabada.
Depois de tantos dias consumindo queijo da Serra da Canastra no café da manhã, almoço e jantar, é bem provável que você queira levar um para casa. O melhor é o Queijo Dinho, que conquistou em 2019 a medalha de bronze no concurso Le Mondial du Fromage, espécie de Oscar do Queijo que acontece anualmente na França. O título pomposo contrasta com a informalidade da visita. Basta digitar “Queijo Dinho” no seu aplicativo de GPS e ir seguindo as orientações até chegar à Fazenda Água Limpa, no município vizinho de Piumhi. Em épocas chuvosas, o trecho final de estrada de terra pode ser desafiador para carros que não tenham 4×4. Nesse caso, os irmãos Allan e Igor, quarta geração da família a produzir queijo, vão de trator buscar os visitantes, que se divertem com a experiência.
A casa simples onde são feitos os queijos recebe os visitantes com uma placa: “Buzine, apei-se, ispie a vista. Já iremos prosear! Gradicido!”. Logo Allan aparece para explicar sobre o processo de produção: as vacas são ordenhadas somente uma vez ao dia e o leite é utilizado cru, ou seja, sem passar pelo processo de pasteurização. Isso garante a conservação das bactérias que darão o sabor, o aroma e a textura característicos do queijo, três elementos que vão mudando conforme a maturação. O queijo começa liso e amarelo e vai ficando cada vez mais enrugado e branco, o que não significa que esteja estragado. As variações ficam disponíveis para degustação em uma mesa. O queijo custa R$ 80 o quilo e você pode escolher se quer levá-lo menos ou mais curado. A minha dica é levar o menos curado e, ao chegar em casa, deixá-lo fora da geladeira, coberto por um pano de prato. É um jeito de saborear um estágio diferente de maturação a cada fatia – e ir apaziguando a vontade de voltar logo para Capitólio.
Veja outras opções de passeios de lancha, cachoeiras e restaurantes, além de sugestões de hospedagem, no guia completo do Capitólio da VT.
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