Como funciona o aplicativo que reúne estranhos para um jantar

O aplicativo Timeleft junta seis desconhecidos em um restaurante surpresa e pode ser um meio bacana de conhecer pessoas durante as viagens

Por Bárbara Ligero
Atualizado em 25 mar 2024, 08h24 - Publicado em 23 mar 2024, 15h00
Timeleft
Aplicativo reúne uma média de 300 pessoas por noite em São Paulo e no Rio de Janeiro (//Divulgação)
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Em uma quarta-feira à noite, seis pessoas que não se conhecem se encontram para jantar em um restaurante. O local exato do encontro só foi informado na manhã daquele mesmo dia, através de um aplicativo onde cada um respondeu perguntas sobre sua personalidade e interesses. Pode parecer coisa de filme futurista, mas está acontecendo aqui e agora. Com apenas dez meses de existência, a startup portuguesa Timeleft já reuniu 120 mil pessoas em mais de cinquenta cidades pelo mundo, incluindo grandes metrópoles como Nova York, Paris e Londres. Desde o início de março, a experiência está disponível também no Brasil, mais exatamente em São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. A estreia do aplicativo na capital paulista teve mais de 300 pessoas jantando em diferentes restaurantes.

A relações públicas Bianca Ferreira, de 36 anos, ficou sabendo sobre a chegada do Timeleft através de uma amiga e decidiu se inscrever para um dos jantares que aconteceriam no dia 20 de março na cidade onde mora, o Rio de Janeiro. “Eu estou solteira há quase três anos. Eu tenho amigos próximos, pessoas que combinam muito comigo e faz sentido eu estar próxima. Mas pensei: ‘vamos ver qual é!’ Às vezes surge uma pessoa interessante para me relacionar, às vezes surge uma amizade interessante para sair do lugar comum ao qual estou acostumada, às vezes me leva para lugares novos”, conta.

O Timeleft pode ser utilizado com o objetivo de encontrar um par romântico, mas não só e também não necessariamente. Ao entrar no site ou aplicativo (disponível para iOS e Android), a primeira etapa consiste em responder um questionário que visa mapear sua personalidade (é extrovertido ou introvertido?, qual é o seu signo?), interesses (prefere filmes de autor ou blockbusters?, pratica esportes?) e também qual é o seu objetivo com aquela experiência. As opções são: “conhecer novas pessoas”, “fazer novos amigos”, “encontrar um relacionamento”, “explorar novos restaurantes”, “experimentar algo novo” e até “não tenho certeza”. “Eu marquei tudo! Pode ser que tenha gente que olhe e pense que é algo com segundas intenções, mas eu não tinha só isso na cabeça”, relata Bianca.

Timeleft
Para montar os grupos, aplicativo tenta entender o seu perfil e seu objetivo com aquela experiência (//Reprodução)

Depois de responder as perguntas, você seleciona a cidade e a data que gostaria de participar do jantar. Os encontros acontecem sempre às quartas-feiras, às 20h. Para efetuar a reserva, é preciso pagar R$ 39,99 de taxa de serviço (existem também pacotes de R$ 59,90 por mês, R$ 119,90 por três meses e R$ 199,90 por seis meses). A organização dos jantares é feita de forma remota pela equipe do Timeleft, em parceria com os restaurantes. “Você não ganha nada: não tem nenhum welcome drink, nada disso. Mas eles reservam a sua mesa, você já chega ali com tudo arranjado. Eu entendo que é uma taxa para o aplicativo se manter porque nenhum serviço é de graça”, comenta Bianca.

Na terça-feira, o aplicativo mostra algumas informações sobre o seu grupo: em que área trabalham, quais as nacionalidades e os signos (alô, fãs de mapa astral). Na quarta-feira pela manhã, é a vez de revelar o restaurante.

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Inicialmente, os grupos são sempre compostos por você e mais cinco pessoas. Mas, no caso da Bianca, um homem e uma mulher cancelaram em cima da hora, o que também é avisado pelo aplicativo. Questionada pela VT, a assessoria do Timeleft afirmou que estão sendo implementadas ferramentas para evitar isso ao máximo. A empresa afirma que se alguém chega a algum jantar e todos os outros faltaram, ela pode ser reembolsada. Quem desistir da experiência só recebe o reembolso se cancelar antes da meia-noite da segunda-feira anterior ao dia do jantar.

No fim das contas, devido aos cancelamentos, o jantar de Bianca foi composto por ela e mais três pessoas. Havia um único homem, de 36 anos, que atua na área de TI, e duas mulheres, de 33 e 34 anos – uma trabalhava em um navio de cruzeiro e a outra, em uma fintech. Durante o jantar, a conversa passou por diferentes temas: de filhos (Bianca era a única da mesa a ter um) a trabalho, passando por experiências de viagem e coisas que cada um ainda gostaria de fazer, como pular de paraquedas. “As mulheres falaram mais de forma geral, o homem era um pouco mais quietinho. Mas o papo fluiu muito bem, a gente tinha afinidade. As idades eram próximas, os papos combinaram, não teve ninguém que destoou ou que discordava muito um do outro. Eu acho que teve uma sinergia”, avalia Bianca.

Com o intuito de aumentar as chances dos integrantes terem certa compatibilidade entre si, a Timeleft usa as respostas do questionário na hora de montar os grupos. Algumas perguntas são especialmente voltadas para identificar diferenças que possam gerar atritos durante o jantar, como religião, posicionamento político, classe social, uso de drogas recreativas e de humor politicamente incorreto. Os participantes também apontam o quanto gostam ou estão dispostos a conversar sobre política e notícias. No caso de Bianca, ninguém tocou em assuntos muito polêmicos: “foi uma conversa bem leve, de amenidades”.

Ainda assim, sempre existe a possibilidade de não rolar uma química imediata entre o grupo. Para esses casos, o aplicativo disponibiliza uma espécie de jogo com perguntas aleatórias e quebra-gelo para os integrantes responderem e dessa forma, quem sabe, engatarem um papo.

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Religião, visão política, classe social: Timeleft antecipa temas que podem ser polêmicos (//Reprodução)

Por volta das 22h30, o grupo da Bianca encerrou o jantar. Cada um paga pelo que consumiu e, para que a refeição não pese no bolso de ninguém, o aplicativo pergunta de antemão o quanto você está disposto a investir. A categorização é um tanto relativa: é preciso indicar entre um, dois ou três cifrões. Em geral, Bianca gostou da escolha do restaurante, que ficava no Botafogo, em termos de preço e localização: “eu moro na Ilha do Governador, um pouco mais afastado, mas sou uma pessoa que se dispõe a se locomover pelo Rio. Na quarta-feira, especificamente, eu estava no centro da cidade trabalhando e de lá eu peguei um metrô pro Botafogo, que é um bairro super agradável”.

A startup reconhece que o fato da localização só ser informada no dia pode ser um motivos que levam ao cancelamento de participantes – e já está trabalhando em uma solução. “Em breve, também será possível a pessoa escolher em qual zona da cidade prefere jantar”, adianta a Timeleft. A VT fez uma simulação de reserva considerando a cidade de São Paulo e, antes mesmo de prosseguir com a reserva, o aplicativo já apontava que o restaurante seria na região de Perdizes, Pinheiros, Vila Madalena, Itaim, Jardins ou Moema. Nas demais cidades, não existe essa delimitação geográfica.

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Para acertar na escolha do restaurante, aplicativo pergunta sobre faixa de preço e restrições alimentares (//Reprodução)
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Depois do jantar, ainda tem mais. Em cidades grandes como São Paulo e Rio de Janeiro, a Timeleft convida as pessoas de todos os grupos daquela noite a se encontrarem para um último drinque em um bar. Segundo a empresa, essas capitais têm em média 300 participantes por noite. Bianca chegou a ver o convite, mas preferiu não estender a noite. “Para mim, o fato de ser quarta-feira é um fator meio limitante por ser bem no meio da semana. Pagamos a conta do jantar 22h30 e, no meu caso, não funcionaria ainda ir para outro lugar depois”, explica. A Timeleft explica que elegeu a quarta-feira como o dia dos jantares com estranhos porque “é um dia que não conflita com a programação do fim de semana, além de ser mais viável reservar bons restaurantes”.

Mas afinal, vale a pena a pena jantar com estranhos? Bianca descobriu que tinha alguns conhecidos em comum com uma das integrantes do grupo, que acabou adicionando no Instagram: “é uma pessoa que eu senti uma afinidade, alguém que eu acho que daria sim para gente se encontrar novamente e se divertir”.

A relações públicas não pretende usar o Timeleft novamente no Rio de Janeiro, mas vê potencial em usar a plataforma fora da cidade onde se vive. “Acho que não é uma necessidade minha fazer amigos onde eu moro. Mas eu acho que deve ser muito interessante se você estiver passando uma temporada em outra cidade. Se acabou de se mudar e não tem amigos ali ou se está viajando e quer conhecer gente. Acho que super experimentaria de novo nessas circunstâncias”, avalia.

O Timeleft faz questão de ressaltar que não é um aplicativo de namoro, o que vai ao encontro da percepção que Bianca teve da experiência: “eu não sinto que tem uma vibe de date, não sinto que é ali que eu arranjaria uma pessoa para mim. Mas eu acho muito legal para você conhecer gente nova se você está precisando socializar”.

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