O que esperar da exposição sobre o Holocausto no MIS
No centenário do sobrevivente Julio Gartner, o Museu da Imagem e do Som de São Paulo recria o horror em mostra imersiva
Se Julio Gartner estivesse vivo em 2024, ele completaria 100 anos. O sobrevivente do Holocausto nasceu em Cracóvia, na Polônia, e se mudou para São Paulo em 1949, quatro anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.
A vida de Julio está umbilicalmente conectada aos horrores praticados pela Alemanha nazista desde a invasão do seu país natal, em 1939, quando ele tinha 15 anos. É essa história que A Tragédia do Holocausto: a Vida de Julio Gartner, em cartaz até 21 de abril no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, pretende contar.
A exposição ocupa dois andares do museu com fotos, trechos de filmes, entrevistas e objetos originais cedidos por instituições internacionais, como o Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos.
O percurso dos visitantes é feito na ordem cronológica da história e em sentido unidirecional, ou seja, você não pode retornar a um ambiente depois que tiver passado por ele.
Isso era tudo que eu sabia sobre a exposição quando comprei o ingresso. Cheguei um pouco atrasada com um horário marcado para às 15h, mas consegui entrar mesmo assim. Antes de liberar o meu acesso, um funcionário informou que não era recomendado tirar fotos durante o percurso dado o nível de sensibilidade do tema.
Mas nem precisei entrar para me deparar com uma certa banalização por parte do público. No mesmo instante em que o funcionário alertava para aquele cuidado, testemunhei duas pessoas posando e tirando fotos com a bandeira da Alemanha nazista, que está pendurada na entrada da exposição.
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O primeiro andar
Na primeira sala, estão expostas notícias e propagandas antissemitas veiculadas em jornais alemães na época da ascensão de Adolf Hitler. Passando para o próximo ambiente, tive uma surpresa: descobri que se tratava de uma exposição imersiva.
Como há o esforço de contar a história a partir da vida de Julio, o primeiro espaço é a sala de jantar da casa onde ele morava com os pais e dois irmãos. O ambiente está decorado com uma mesa, cadeiras, lustre, cristaleira e alguns objetos da cultura judaica, como a menorá.
No espaço ao lado, a reprodução de fachadas de lojas com o vidro quebrado e sons de gritos e objetos estilhaçados reconstroem a Noite dos Cristais, em 1938. Na ocasião, estabelecimentos de propriedade judaica foram depredados e saqueados. E os próprios judeus foram espancados e mortos.
Em seguida, entrei na reprodução do esconderijo de Julio e no gueto de Cracóvia, onde muitos gritos e choros podiam ser escutados. Em cada um dos ambientes, há painéis explicando o momento histórico que descrevem a arquitetura do horror nazista, com explicações do que foram os campos de concentração e os guetos, por exemplo.
Naquela altura, me questionei sobre o tipo de desconforto que aquela experiência poderia proporcionar aos visitantes. Desde o primeiro momento, compreendi que a exposição queria que as pessoas sentissem na carne o que as vítimas do Holocausto sentiram.
Mas, depois de descer da reprodução de um vagão que levava judeus aos campos de extermínio, e ouvir de uma monitora ali presente “agora, pode entrar na câmara de gás”, me questionei se não haveria uma certa banalização sobre um assunto tão doloroso. Até porque eu já estava bastante tocada diante do horror, como acredito que seja o objetivo da exposição.
Na sequência, passei por beliches apertadas, onde os judeus dormiam nos campos de concentração, e por um campo de trabalho com uma escadaria que representa as centenas de degraus que Julio percorria diariamente carregando blocos de pedra no campo de Mauthausen.
A primeira parte encerra com a libertação dos judeus e a condenação dos nazistas no Tribunal de Nuremberg. Para mim, o ponto alto do primeiro andar são as fotos que documentam o tratamento abjeto dado aos judeus, e os objetos reais, como as malas, sapatos e brinquedos.
Anjos do Holocausto
O segundo andar contrasta visualmente com o primeiro. Se embaixo estamos na trevas, no andar acima a decoração toda em branco é dedicada a homenagear os “Anjos do Holocausto”. São pessoas que arriscaram a vida para salvar os judeus do extermínio.
O vídeo que mostra a entrevista de Nicholas Winton em um programa de auditório da BBC, ele um britânico que salvou 669 judeus da morte, me arrepiou particularmente. No episódio, judeus salvos por Winton foram reunidos para homenageá-lo.
A história de outras seis pessoas é contada. Dentre elas, o alemão Oskar Schindler, que inspirou o filme a Lista de Schindler; e os brasileiros Luiz Martins de Souza Dantas, diplomata que concedeu vistos para perseguidos do governo nazista, e Aracy de Carvalho, diplomata que ajudou judeus a entrarem no Brasil durante o Holocausto.
Ao final de tudo, me perguntei qual deveria ser o limite da atual tendência de exposições imersivas e se tudo pode ser reencenado, mas, em meio aos gritos de horror que ainda ecoavam em minha mente, não encontrei uma resposta.
Serviço
Quando? até 21 de abril. De terça à sexta-feira, das 10h às 19h. Aos sábados, das 10h às 20h. Em domingos e feriados, das 10h às 18h.
Quanto? R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Às terças-feiras, entrada gratuita com retirada do ingresso na bilheteria física. Ingressos à venda no site.
Onde? Museu da Imagem e do Som – Av. Europa, 158 (Jd. Europa)