Delicado e dilacerante são palavras que não costumam andar juntas, mas formam uma dupla que caracteriza o universo artístico de José Leonilson Bezerra Dias, ou só Leonilson. O artista cearense foi consagrado como um ícone da geração 80 e se tornou um dos principais nomes da arte contemporânea antes de falecer precocemente em decorrência da aids em 1993, com 36 anos.
As obras feitas em seus últimos cinco anos de vida formam a exposição Leonilson: Agora e as Oportunidades. Inaugurada nesta sexta-feira, 23, no Masp, em São Paulo, a mostra faz parte da programação focada em artistas LGBTQIA+. No primeiro andar do museu, mais de 300 peças estão distribuídas de forma cronológica em cinco salas, cada uma dedicada a um ano de produção entre 1989 e 1993.
Leonilson transitou por diferentes suportes, por isso a exposição é uma mistura de desenhos e pinturas, além de bordados e costuras que o artista começou a criar em 1989 e se tornaram ícones de sua produção.
O nome da exposição foi emprestado da pintura Agora e as oportunidades (1991), uma das mais explícitas sobre o olhar de Leonilson para as minorias, das quais também fazia parte. Ao longo das cinco salas, a ótica queer se intensifica em trabalhos que tratam das paixões, desejos, dúvidas e dos sofrimentos do artista.
Ainda que Leonilson tenha criado autorretratos propriamente ditos, o conjunto de sua obra salta como uma colagem de sua vida que segue uma narrativa – não necessariamente decifrável. O artista registra fragmentos do seu cotidiano em uma espécie de diário visual que mistura tinta aquarela, frases em inglês, trechos de música, figuras geométricas, formas orgânicas e menções a sonhos e encontros com homens.
Os desenhos foram explorados com profundidade em 1989. São figuras que ocupam pouco do papel e se destacam no centro de grandes áreas em branco. É impossível apreciá-las com distanciamento. Primeiro, porque as palavras, números e imagens pequenas exigem aproximação física dos quadros e, segundo, porque a poética de Leonilson invade e arrebata mesmo que bata gentilmente na porta e peça para entrar.
Leonilson se diferenciou dos outros nomes de sua geração por adotar uma poesia íntima e profundamente autobiográfica, não à toa a cronologia revela muito de sua obra. O período recortado pela exposição são os anos mais consagrados de sua produção e englobam momentos centrais da vida do artista, como o ano de 1991, em que descobriu ser soropositivo.
Depois da descoberta, a aids se torna protagonista de muitos dos trabalhos de Leonilson. Os sete pequenos desenhos da série O perigoso (1992) ilustram como o artista abordava o tema sem pudores. A primeira obra do grupo apresenta uma gota do próprio sangue soropositivo de Leonilson, enquanto as demais misturam imagens de remédios, nomes de flores, um crucifixo e um dedo espetado sangrando.
O último ano de vida de Leonilson culmina com a Instalação sobre duas figuras, apresentada na Capela do Morumbi, em São Paulo, mas que o artista não viu finalizada. O comovente cenário que simboliza seu próprio rito de passagem foi recriado no Masp.
No subsolo do museu, a exposição continua com as ilustrações que Leonilson criou para a coluna de Barbara Gancia no jornal Folha de São Paulo – dos 38 trabalhos que fez em 1993, 16 foram para a jornalista. Também é possível conferir o documentário A Paixão de JL, de Carlos Nader, que reúne trechos de um diário de Leonilson gravado em áudio e que está disponível no YouTube.
Leonilson comunica universalmente medos, desejos e impotências – como na frase “Leo não consegue mudar o mundo” que se repete nas obras. No entanto, sendo autobiográfico, o apelo do trabalho do artista está em conjugar a política de ser queer e soropositivo nos anos 1980 e 1990 com uma poesia íntima e profunda. Afinal, antes de mensagens políticas, é a vida de Leonilson que preenche as telas, papéis e tecidos.
Serviço
Leonilson: agora e as oportunidades
Quando? 23 de agosto a 17 de novembro.
Quanto? R$ 60 inteira e R$ 30 meia. Grátis às terças-feiras e nas primeiras quintas-feiras com retirada no site do MASP.
Onde? MASP – Avenida Paulista, 1578 (Bela Vista).