O primeiro que vi ao aterrissar foi um grupinho de girafas trotando pela pista de pouso. Desci do avião monomotor, pisei o chão de terra batida e, na imensidão da savana do norte da Tanzânia, avistei uma cabaninha. Dentro dela, havia sofás estilosos, banheiro com toalhinhas cheirosas enroladas sobre a pia e até obras de arte na decoração – no meio do nada. A bordo de um Land Rover novinho, fui resgatada pelo ranger Eugene (nascido numa fazenda de café do Kilimanjaro!), meu anfitrião na Singita Grumeti. É um baita privilégio estar nessa reserva natural de 141 mil hectares. A área é uma extensão do Serengeti National Park, com quem compartilha o mesmíssimo ecossistema – incluindo os milhões de gnus migratórios e os cenários que inspiraram O Rei Leão. Só que, ao contrário do que acontece dentro dos domínios no parque, por aqui não há congestionamento de turistas, nem a obrigação de manter-se nas trilhas demarcadas. Isso porque apenas os poucos hóspedes alojados nos hotéis e acampamentos esparsamente espalhados pela propriedade têm acesso à reserva, administrada pelo grupo sul-africano Singita desde 2002. A seguir, o relato das 48 horas que passei na reserva Grumeti, inspecionando o reduto mais exclusivo do Serengeti (e sendo feliz nos intervalos):
12h – O show do milhão
O portfólio do Singita Grumeti soma dois hotéis (Sasakwa e Faru Faru), um acampamento de luxo (Sabora Tented Camp), um acampamento móvel (o Singita Explore, que acompanha as migrações) e a nababesca Serengeti House, a primeira propriedade do complexo em que botei os pés. Comecei a questionar a frase “dinheiro não traz felicidade” assim que adentrei a casa de quatro suítes que se abre para um terraço cinematográfico, separado da natureza selvagem por uma tênue infinity pool. A decoração é um espetáculo de bom gosto no qual predominam os materiais naturais – madeira, algodão, cerâmica –, e obras de arte com referências africanas. A Serengeti House só pode ser alugada numa tacada só e a diária inclui staff, todas as refeições, bebidas e os game drives (safáris). Teria passado horas ali tentando decidir qual dos banheiros era o mais absurdamente espetacular, mas já era hora do almoço.
13h – Maratona gastronômica
A pausa para o almoço aconteceu nos domínios do Sasakwa Lodge, o mais suntuoso dos dois hotéis da reserva, onde passei a primeira noite. Cada refeição por ali é um acontecimento de três etapas regado a excelentes vinhos sul-africanos… Por isso, é preciso ter um metabolismo altamente voraz para, horas depois do almoço, aproveitar o high tea. O tentador chá da tarde que tradicionalmente antecede os game drives é elevado a outro patamar no Sasakwa, com docinhos e quitutes que não fariam feio numa confeitaria de Paris. E mais: durante o game drive, ainda rola uma paradinha na hora do pôr do sol para um drinque e um petisco. Oh, céus…
17h – Uma rapidinha no mundo equestre
Uma das especialidades do Singita Sasakwa é o safári a cavalo, direcionado apenas a quem tem vasta experiência em montaria (está longe de ser o meu caso). Afinal de contas, não dá para arriscar um puro-sangue de milhares de dólares nas mãos de um amador. O centro equestre, administrado com paixão pela expert sul-africana Alison Mundy (que também guia os passeios), é o lar de 18 animais magníficos, a maioria da raça sul-africana Boerperd. Vários tipos de empreitadas equestres podem ser organizadas. O suprassumo da categoria é o safári de vários dias, com hospedagem nos diferentes hotéis e acampamentos da propriedade.
18h – Se melhorar, estraga
Se você acompanha o blog, deve ter lido o post sobre o meu fatídico desencontro com o guepardo, único animal “troféu” (bem mais cobiçado do que os Big Five) que não consegui ver na África do Sul. No Singita Grumeti, os guepardos simplesmente desfilam. Também é facílimo avistar hienas, leopardos, leões… Além do mais, como o número de hóspedes é reduzidíssimo, é raro cruzar com outros veículos. Não rodei a África inteira para afirmar com propriedade, mas desconfio (com sérias chances de estar certa) de que nada pode ser melhor do que isso.
20h – Um brinde ao guepardo
Ao fim do safári, acontece um dos raros momentos de socialização entre os hóspedes do Sasakwa Lodge. O aperitivo é servido ao calor da lareira, num dos salões nababescos da área social – que também tem biblioteca, academia completa, uma senhora loja, spa e uma piscina enorme com vista de camarote para a reserva. O jantar acontece sob um gazebo florido, à luz de vela.
22 – É noite de rei
Sir David Livingstone e outros exploradores britânicos devem revirar na tumba lamentando haver nascido antes do tempo. No Sasakwa Lodge, o glamour dos tempos vitorianos reencarna, com ainda mais pompa e glória. O lodge tem apenas 9 cottages, de 1 a 3 quatros. O menor, no qual me alojei por algumas felizes horas, tem uma sala de estar com lavabo, lareira, lustre de cristal, sofás e escrivaninha. O quarto tem uma cama esplêndida, outra lareira e um closet anexo. O banheiro é matador, com banheira vitoriana, rain shower e divã. O terraço é o golpe de misericórdia, equipado com uma luneta Swarovski e uma inifity pool privê. Em meio ao conforto, a lembrança de que a natureza não se intimida: as moscas de tsé tsé (primas das nossas famigeradas mutucas), uma marca registrada do Serengti, estragam um pouco a festa de quem quer tomar um solzinho na beira da piscina. Menos mal que, por algum motivo, elas dão uma folga na sombra do terraço.
7h – Café da manhã no século passado
Se você tem dificuldade de entender o glamping, termo brega derivado da fusão entre glamour e camping, eis a mais completa tradução. Inspiradas nos acampamentos de exploradores do início do século 20 (e no filme Out of Africa), as 9 tendas do Sabora Tented Camp são recheadas com belíssimas peças de antiguidade: gramofones, baús, quadros, malas antigas de couro, pratarias, cristais. As tendas ainda têm cama king size e chão forrado de tapetes, além de banheiro completo com água corrente. A área social gira em torno de uma tenda principal, onde está o restaurante em que tomei café da manhã. A infra é completa com piscina, quadra de tênis e academia! (O lugar estava iniciando uma reforma gral quando estive por lá, que deve deixar o acampamento ainda melhor).
12h – Beleza natural
Após um game drive matinal (com direito a mais guepardos), fui apresentada ao hotel onde passaria a segunda noite. O Faru Faru Lodge reproduz um acampamento de botânicos e é um exemplo ultra bem sucedido de integração com a natureza, tanto na estética quanto na prática. As paredes são feitas de pedra, bambu e madeira clara. O chão dos nove quartos é de cimento queimado e uma das paredes, toda de vidro, se abre totalmente a um toque do controle remoto. O teto, numa referencia aos acampamentos, é de lona, culpada pelo único ponto baixo do hotel: nos momentos mais quentes do dia, nem a janela aberta, nem ar condicionado + ventilador dão conta de refrescar o ambiente (à noite, não há problema algum). Mas quem se importa com isso? Um terracinho sombreado, equipado com rain shower, se debruça sobre um rio onde vários animais aparecem para beber água. Na área social, uma piscina bonita de doer (a da foto lá de cima) reforça o arsenal do refresco.
17 – Escoteiro em grande estilo
Em meio a mais um game drive feliz, paramos para conhecer o Explore Mobile Tented Camp, que se diferencia do Sabora por dois motivos: é móvel e só pode ser alugado por um grupo (ou casal) por vez. Justamente por isso, apesar de ser a mais austera das acomodações do Singita Grumeti, ele é mais caro do que o Sabora e até do que o Faru Faru. Ou seja, vale a pena para quem quer ter proximidade com a natureza (perfil do hóspede potencial: “já vi muito luxo nessa vida e quero ter o feeling de acampar sem perrengue”). Conforme a época do ano, o acampamento é armado na região mais estratégica para ver animais (e eventualmente as migrações). As tendas têm camas confortáveis e banheiro quase de verdade. Uma tenda maior faz as vezes de ala social.
19h — Noite no Faru Faru
No Faru Faru, o fim de tarde acontece ao redor da lareira, onde os hóspedes são apresentados uns aos outros pelo gentilíssimo gerente George (uma figura interessantíssima que fala N idiomas fluentemente). Para o jantar, as mesas individuais são posicionadas em cantinhos estratégicos, iluminadas por velas. A comida acompanha a proposta naturalista do lugar, com receitas saudáveis e influências orientais.
8h – Despedida com lágrimas
Rama (abreviação de Ramadhani) foi o jovem garçom que me ciceroneou durante a fugaz temporada no Faru Faru. A doçura desse menino é uma das melhores lembranças que tenho do Singita. Chorei ao dizer tchau. E estou com lágrimas nos olhos novamente, ao lembrar da cena…