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Como se locomover na Tailândia: acertos e roubadas

Por Adriana Setti
Atualizado em 27 fev 2017, 16h13 - Publicado em 12 mar 2008, 14h03

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Suponhamos que você vá viajar pelo nordeste do Brasil sem carro e queira ir, de ônibus, de Jericoacoara e Caraíva. Consegue calcular o tamanho da roubada? Pois aqui na Tailândia, graças a uma milagrosa rede de transportes informais, roteiros improváveis como esse são possíveis sem muito esforço. A dose de roubada envolvida na empreitada, porém, pode variar de zero a dez e é muito difícil de prever.

O esquema é o seguinte. Você compra um tíquete em qualquer agência ou pousada e recebe uma espécie de nota fiscal. Ao chegar ao porto ou estação, você mostra a nota no guichê e recebe um adesivo, que deve ser colado em um lugar bem visível.

A partir desse momento você passa a agir como gado, obedecendo a ordem de uma série de pessoas que dirão que você se enfie em determinado lugar. Para ir de Ko Pha-Ngan a Ko Phi Phi (ilhas que ficam na costa leste e oeste, respectivamente), por exemplo, a primeira etapa seria um barco de Ko Pha-Ngan a Surat Thani. Ao descer do barco, a boiada vai sendo separada conforme a cor do adesivo. E sem que você tenha que perguntar nada, alguém o empurrará para dentro de um ônibus ou van. E assim sucessivamente até você acabar milagrosamente em Ko Phi Phi. 

Os chamados “tíquetes combinados” são muito mais caros do que a soma do preço das passagens de barco e ônibus que você compraria se fosse de píer em píer ou de rodoviária a rodoviária independentemente. Mas ainda assim é em conta. E, Se tudo correr bem, o que acontece na maioria das vezes, você passará muito menos perrengue do que indo por sua conta.

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Quanto mais famoso for o destino que você escolheu, maior a chance de viajar em um ônibus novo e decente. Mas caso você queira desgarrar-se da manada e ir a um lugar off the beaten track, recorrer a trens e ônibus locais volta a valer MUITO a pena. A seguir, um exemplo de uma bela roubada, para você rir um pouco da minha cara e jamais fazer o mesmo:

De Ko Phi Phi, o meu destino era Kota Bharu, no norte da Malásia. Após pegar um barco até Krabi fui enfiada em uma van que, teoricamente, me levaria a Sungai Kolok, na fronteira, onde pegaria um ônibus até Kota Bharu. Ao senhor alemão que foi apanhado no meio do caminho restou um lugar ao lado do motorista onde caberia com conforto apenas uma criança de oito anos. Depois de espernear por alguns minutos pedindo o dinheiro de volta,  o cidadão relaxou e, mesmo bufando, resolveu seguir em frente e aguentar as 5 horas de viagem.

Poucos minutos depois, porém, o alemão resolveu transferir a culpa de todos os seus males aos dois ursinhos de pelúcia (!) que o motorista usava como talismã em seu espelho retrovisor (foto). “Estou tonto! Não consigo ver! Tira esse diabo desse ursinho daqui!”, gritava ele em surto enquanto tentava desesperadamente arrancar o enfeite de seu campo de visão. “Uóóóng chuiiinng koooin”, gritava o motorista de volta, deferindo tapas na mão do agressor de seus ursinhos mimosos. “Você aceita um Valium?”, sugeriu um inglês com o mais britânico dos sotaques na tentativa de melhorar a situação, provocando gargalhadas histéricas no resto dos passageiros. Fim do primeiro round.

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Mais adiante, porém, os dois passaram a trocar cotoveladas e, por várias vezes, alguns sopapos. Como vinganca, o motorista passou a dirigir como um psicopata, fazendo ultrapassagens absurdas.

Ao chegar em Hat Yai, a maior cidade da região, o motorista decretou fim da viagem. E não tinha a menor idéia do que eu deveria fazer para chegar em Sungai Kolok (mesmo eu tendo comprado o tíquete ate lá). Depois de alguns rolês pela cidade, acabamos voltando a rodoviária, onde o motorista simplesmente pegou o dinheiro que eu tinha pago pela passagem, comprou pagou a um outro motorista de van um quinto do que eu tinha pago horas antes e me enfiou nessa nova van.

Eu, que tinha gargalhado do alemão espancador de ursinhos de pelúcia, vi todo o meu veneno voltando contra mim. Ele, que provavelmente era mais escolado, desceu em Hat Yai (para onde tinha comprado o tíquete) e tomou um trem até a fronteira. Na nova van, meu quase metro e oitenta praticamente não cabia no banco. Meu namorado, ainda mais alto, teve que viajar 3 horas e meia praticamente de cocoras. E para completar, a música tailandesa no último volume saía de uma caixa de som estourada que estava, adivinha, do nosso lado.

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A essas alturas, estavamos atravessando o sul da Tailândia, a zona de conflito com os independentistas muçulmanos que, vez ou outra, atentam contra postos militares e coisas do gênero. As batidas policiais acontecem a cada 10 quilômetros, onde soldados armados de metralhadoras se atrincheiram atrás de sacos de areia e arames farpados. Nada agradável. E jamais estaríamos passando por la A NOITE se a van nao estivesse 4 horas atrasada.

Por volta das 9 horas, a ximbica velha parou em um lugar totalmente escuro e deserto: “desçam, a fronteira é ali e fecha em 10 minutos”. Em pânico, com uma mochila de 20 quilos e sem ter a menor idéia de onde estávamos, meu namorado, uma inglesa ressacosa e eu batemos o record mundial dos 100 metros rasos até, por fim, entrarmos na Malásia a tempo, onde ainda teríamos que arrumar um jeito de chegar a Kota Bharu, a cerca de 50 kms de lá, sem um único tostão em Ringgits, o dinheiro local. Por sorte (mais dele do que minha), um taxista de pijamas (sim, de pijamas) perambulava por ali, provavelmente atrás de um pacote de cigarros, e se animou ao ver três loiros suados e apavorados sem ter para onde ir. Chegamos em Kota Bharu às 11 da noite, 14 horas após deixar Phi Phi Islands. O perrengue, definitivamente, faz parte.

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