Imagem Blog Achados Adriana Setti escolheu uma ilha no Mediterrâneo como porto seguro, simplificou sua vida para ficar mais “portátil” e está sempre pronta para passar vários meses viajando. Aqui, ela relata suas descobertas e roubadas

Onde comer pratos típicos em Belém do Pará (parte 2)

O tucupi, o vatapá, o tacacá, o peixe com açaí, a linguiça de maniçoba e os respectivos endereços para experimentar

Por Adriana Setti
Atualizado em 16 set 2021, 17h40 - Publicado em 11 jan 2016, 11h18
Remanso do Peixe
Festival de entradinhas no Remanso do Peixe. Crédito: (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
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Comer. Eis o principal motivo que me levou a Belém – ainda que os outros nove listados no post anterior sejam verdadeiríssimos. Não sabia nada sobre a culinária paraense antes de embarcar, apenas que era incrível. Precisava resolver essa pendência. Pois vamos às principais questões gastronômicas da cidade, começando pelos restaurantes.

Remanso do Bosque ou Remando do Peixe?

Eis a questão. Os dois restaurantes que valem a viagem a Belém pertencem à família Castanho. A saga começou com seu Francisco e Dona Carmem, que abriram um lugarzinho em sua própria casa, especializado em moquecas e caldeiradas – o Remanso do Peixe. Hoje, os representantes do clã são os filhos do casal, Thiago e Felipe Castanho, que expandiram o império com o Remanso do Bosque e, resumindo a ópera, acabaram aclamados como uns dos chefs mais inovadores e promissores do Brasil – deu no New York Times. Ambos brilham sem deixar para trás a tradição da família e o estilo low profile, algo bem parecido com a história de Rodrigo Oliveira, do paulistano Mocotó. Na dúvida, fique com os dois. Não é questão de hypezinho: os dois restaurantes valem a viagem.

O Remanso do Peixe continua funcionando na casa original da família, que fica escondidíssima no fundo de uma vila. Numa quinta feira à noite, o restaurante estava totalmente vazio (apenas nós e mais uma família) – o garçom me explicou que costuma lotar na hora do almoço. Totalmente sem afetação, o restaurante serve a fina flor da cozinha tradicional paraense. Exageramos muito no pedido, porque tudo parecia absurdamente irresistível – e era. Casquinha de caranguejo com farofa (melhor da vida, repetimos), bolinho de piracuí (farinha de peixe), mojica de peixe (um caldinho leve), filhote ao tucupi, caipirinha de cupuaçu, pudim de tapioca… A conta deu cerca de R$ 140 reais por cabeça, mas poderia ter dado uns R$ 90 se comêssemos e bebêssemos como gente normal.

Remanso do Peixe
Festival de entradinhas no Remanso do Peixe: mojica de peixe (o caldinho), bolinho de piracuí e casquinho de siri com farofa. Crédito: (Vinícola Viu Manent/Reprodução)
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Prato típico do Pará
O filhote ao tucupi matador do Remanso do Peixe. Crédito: ()
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Joia rara: pudim de tapioca para sobremesa. Crédito: ()

O Remanso do Bosque é uma versão bem mais elegante e imponente do restaurante original da família Castanho. Tem mesas redondas de madeira, um belo bar, quadros na parede e um empório. No menu degustação, Thiago e Felipe dão asas a uma releitura mais radical da culinária paraense. Sem dúvida, os pratos têm um twist moderno. Mas a essência ainda está muito vinculada às tradições. Fui esperando algo mais mexido, mais espuminha de não sei quê, e não foi nada disso. Mais uma vez, exageramos muito no pedido para provar o maior número de receitas. Linguiça artesanal de maniçoba (uma saída excelente para ter um gostinho da maniçoba sem precisar “enfrentá-la”), bolinho de vatapá, arroz de pato ao tucupi e… que rufem os tambores… o melhor tambaqui na brasa da história do Brasil. A conta deu R$ 160 por cabeça. Mais uma vez, poderia ter dado uns R$ 130, se tivéssemos pedido uma quantidade normal de comida.

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Bolinho de vatapá do Remanso do Peixe. Crédito: ()
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Linguiça artesanal de maniçoba. Crédito: ()
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O glorioso tambaqui grelhado. Crédito: ()

O melhor da Estação das Docas

O Lá em Casa, um dos restaurantes mais famosos da cidade, foi o meu grande fom fom fom em Belém. Quem está à frente dos fogões é Daniela Martins, que assume a responsa de manter o legado de seu pai, o falecido Paulo Martins, considerado o grande embaixador da cozinha do Pará. O lugar é o hit da Estação das Docas – e os locais parecem amá-lo. No almoço, serve um bufê “coma até cair no chão” de especialidades paraense. À noite, só a la carte. O espaço interno tem cara de praça de alimentação de shopping. Já o externo, de frente para o rio, é bastante agradável. Talvez o meu erro tenha sido ir lá um dia depois de ter soltado fogos de artifício no Remanso do Peixe, no jantar (o bufê de almoço parece ter mais Ibope). Não que estivesse ruim, mas me marcou tão pouco que tive que fazer um esforço gigante para lembrar o que comemos por lá, sem sucesso (só tenho registrado que demorou horrores). Péssimo sinal, não? Tudo isso pra dizer que, numa viagem curta à cidade, acho bastante dispensável passar por lá.

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Em compensação, gostei muito do restaurante e bar justamente ao lado, a Cervejaria Amazon Beer. O lugar tem uma lista incrível de petiscos para acompanhar as boas cervejas artesanais – algumas delas aromatizadas com frutas amazônicas. De frente para o rio, super despretensioso, serve um bolinho de pato ao tucupi recheado de jambu impecável, além de boas linguicinhas. Eis o lugar que recomendo de olhos fechados na Estação das Docas.

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Bolinho de pato ao tucupi com jambu da Amazon Beer. Crédito: ()

Em qualquer caso, deixe a sobremesa para a Cairu. Se tiver fila (e vai ter), enfrente com doçura. A sorveteria é um dos orgulhos de Belém e a fama se justifica de sobra. Além de frutas amazônicas, há sabores bem brasileiros gordelícia: quase chorei com o de goiabada com queijo.

O tal do açaí com peixe

Nada de mel, granola, banana, moranguinho ou gelo. Na terra do açaí, a fruta é consumida de uma maneira totalmente diferente da qual estamos acostumados em outras regiões do Brasil. Em Belém, o açaí acompanha o peixe frito na hora do almoço, na forma de um caldo grosso que não é salgado nem doce, misturado com farofa. O lugar clássico para prová-lo é o mercado Ver-o-Peixe. Fui cheia de amor pra dar, escolhi uma barraquinha na qual as pessoas (todas locais) pareciam felizes e pedi um pirarucu frito com açaí. Na primeira colherada, glop, achei estranho. Na segunda, glooop, achei ruim. Joguei farofa – bem mais rústica e “pedregosa” do que o que chamaria de normal. Mandei ver numa terceira dose, que resultou numa rebelião digestiva que partiu do intestino grosso e subiu até o esôfago. Uma lágrima ameaçou escorrer do cantinho do meu olho direito. Ciente de que estava passando por um momento difícil, o moço me trouxe um pouco de gelo e açúcar. Mas já era tarde demais. Em compensação, tracei o pirarucu como se não houvesse amanhã. Você, que já esteve em Belém, me diga: o açaí rolou pra você?

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O açaí abandonado: não rolou. Crédito: (Vinícola Indómita/Reprodução)

O tal do tacacá

A receita é um dos grandes ícones da gastronomia paraense. Goste ou não, uma coisa é certa: você nunca provou nada minimamente parecido. Servido numa cuia, o tacacá é um caldo que leva tucupi (suco extraído da raiz da mandioca brava), temperos variados e goma de tapioca. Os sólidos da receita são camarão seco e jambu (o “agrião do Pará”). Não se trata apenas do gosto em si. O jambu causa uma sensação bucal muito difícil de descrever. Uns chamam de amortecimento. Eu acho que se parece mais a uma efervescência, além de um aumento absurdo da salivação, que dura vários minutos.

O tacacá é a street food número um de Belém, vendido em barraquinhas espalhadas por toda a cidade. A tradição é tomar um lá pelas cinco da tarde. A iguaria está para Belém assim como o acarajé está para Salvador. Cada um tem o seu preferido e isso é tão imutável quanto a paixão por um time de futebol. Sendo assim, a maior torcida da cidade é pelo Tacacá do Colégio de Nazaré (bem pertinho da igreja de Nazaré), mais conhecido como Tacacá da Dona Maria. Dona Maria faleceu, mas a qualidade se manteve, sob a batuta de seu filho. Outros moradores da cidade me falaram maravilhas do Tacacá do Renato, que fica pertinho do Remanso do Peixe e relativamente perto do aeroporto.

Gostei muito do tacacá. Mas tenho a impressão que ainda preciso praticar mais – é daquelas coisas que você começa curtir na medida em que conhece melhor, tipo sushi. Deixei para provar no último dia e, devo confessar, já estava um pouco saturada de jambu. A tal da ervinha é uma espécie de esporte radical do paladar; incrível, mas cansa.

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