A faquinha da foto teve um poder hipnótico sobre mim durante um curso de cozinha que fiz na magnífica Red Bridge Cooking School, em Hoi An, no Vietnã. Com a habilidade de um samurai, o professor demonstrou os superpoderes do objeto: de ralar cenoura a transformar casca de pepino em flor de lótus em segundos. Após algumas horas elaborando com duvidoso êxito receitas oriundas das profundezas do Oriente, e esculpindo bromélias em tomates, eu estava certa de que a cozinha vietnamita seria, para sempre, parte da minha rotina. Para aquela nova vida, que nascia com a promessa de banquetes diários a base de rolinhos de arroz e camarões cozidos em folhas de bananeiras, eu precisava sofregamente daquela faquinha. Minha existência sem tal utensílio careceria de sentido.
Assim como a faquinha, cumbucas de madeira, panelas de cerâmica e todo um conjunto de pratos e recipientes de bambu embarcaram para o além-mar, com meu endereço de Barcelona estampado sobre a caixa de papelão. Meus olhos estiveram a ponto de encher de lágrimas naquele posto do correio de Hanói: seriam meses até que eu topasse novamente com aqueles objetos tão preciosos, já em solo europeu.
Um trimestre depois, o pacote chegou. De dentro da caixa de papelão amassada, saíram alienígenas. Os pratos de bambu, que tanto tinha feito meus olhos brilharem, pareciam toscos, primitivos. Panela de cerâmica? Quem enfiou isso aqui, meu deus? E essa faquinha? O que eu faço com essa maldita faquinha?
Panela de cerâmica devidamente aposentada no fundo da cozinha (ao lado da panela de barro made in Bahia), e faquinha adaptada como abridor de garrafas tabajara, eu volto a dizer: tudo nessa vida é uma questão de contexto. Que o diga aquela estátua balinesa que, não, não combinou com os móveis da sua sala, ainda que a sua memória afetiva lhe sirva como o mais belo dos vernizes.
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