Quando vivemos em uma sociedade em que finalmente alguém entende (e divulga para todo mundo saber) que até o tempo é algo que pode ser comprado, precisamos parar e pensar.
Gastar um pouquinho desse tempo, que hoje vale dinheiro, questionando: até que ponto estamos dispostos a gastar dinheiro com coisas que não queremos de verdade?
É difícil obter uma resposta tão rápida. Tudo parece tão atraente, tão desejável que às vezes é quase impossível afastar-se das tentações dos comerciais que estão em todos os cantos de nossas vidas urbanas, ganhar uma consciência crítica e refletir: será que eu preciso disso tudo, mesmo? Ou será que tudo isso não passa de um mero desejo, uma moda?
Difícil porque tudo tornou-se consumível. Tudo pode (e deve) ser comprado. Comida. Água. Móveis. Roupas. Carro. Ideias. Viagens.
O ato de viajar transformou-se em um produto. Sim, um produto comparável com o anel de ouro e diamantes caríssimo que está exposto em qualquer shopping, ou com aquele carrão conversível vermelho que acelera a mais de 100 por hora em apenas 4 segundos.
Mas espera. Há quem não seja do “tipo de pessoa” que compra um anel de ouro, e nem um carro conversível. Há quem se considere mais simples, que prefere sair pelo mundo, viajar.
A simplicidade também virou um produto. Pessoas simples que preferem viajar do que “gastar dinheiro com coisas” também são consumidoras e estão inseridas nessa lógica de mercado em que tudo pode ser transformado em algo vendável.
Afinal, gasta-se dinheiro para viajar. Pessoas que preferem viajar do que comprar um carrão estão, na verdade, exercendo apenas uma escolha. No fim, ambas – a que viaja e a que compra o carro – estão consumindo. Mesmo quem viaja com pouco dinheiro, aquele tantinho que só daria para comprar um carrinho de mão.
Não quero com isso dizer que todos deveriam parar de viajar. Ainda existe uma autenticidade nas frases que lemos em banners por aí: viajar pode fazer um bem danado, sim. Mas não faz bem para todo mundo.
O que quero reforçar aqui é que nem sempre o ato de viajar pode servir a todas as pessoas. Existe muita gente que viaja porque gosta. Porque quer. Porque sente necessidade. E não apenas pelo desejo, por seguir uma onda.
Mas também há quem viaje sem questionar se isso está sendo bom ou não. Se vale mesmo a pena. Se vale mesmo todo o dinheiro (e tempo) investido.
É preciso se abrir, gastar esse tempo questionando se o desejo de viajar é mesmo uma necessidade ou se ele seria apenas uma maneira fácil de preencher um vazio, uma vontade de se encontrar, de se entender no mundo.
Porque o encontro com si mesmo, o entendimento de você mesmo e a sua posição no mundo, não é produto. Ninguém vai conseguir te vender isso. É algo que ainda não está nas prateleiras, nos folhetos, nos outdoors. Porque é algo muito interno.
Questione-se. Abra-se. Deixe o vazio entrar, mas sem entupir o vazio com coisas que você compra, com experiências que você compra. Deixe o vazio ficar. Aprenda a conviver com ele. Só assim você vai saber se o ato de viajar é algo de que realmente necessita.
Experiências. Uma palavra que está na moda. Principalmente no mercado de turismo. E mesmo ela sendo explorada até quase perder o sentido, ainda é possível ter experiências transformadoras durante viagens.
Mas também é possível ter experiências transformadoras na esquina de casa. Na padaria. Dentro do ônibus. Na praça do seu bairro. Na estação do metrô. Numa festa. Ouvindo uma música. Lendo um livro. Vendo um filme. Conversando. Plantando. Comendo. Caminhando. Respirando. Pensando. Sozinho. Acompanhado. Vivendo.
Ninguém precisa viajar para ter experiências transformadoras, engrandecedoras. Ninguém precisa ter dinheiro para viver isso. Basta se abrir para isso. E nem precisa abrir a carteira, passar o cartão.
Aproveite: você não é obrigado. Ninguém é obrigado. Jogar-se no mundo não significa, necessariamente, comprar uma passagem e se transportar. Você já está aqui. Aproveite. Viva.