O Boteco, em Lisboa: caipirinha, bolinho de feijoada, pastel…
Finalmente um boteco brasileiro de respeito na capital portuguesa
Chão de ladrilho em preto e branco. Cadeiras arredondadas de madeira. Mesas com tampo de mármore. Qualquer semelhança com Pirajás, Filiais, Genésios, Chicos e Alaídes e Astors da vida (clássicos do eixo Rio-São Paulo, para quem não conhece) não pode ser mera coincidência. Quando tocou Orquestra Imperial na playlist, então, eu já estava pronta para derramar lágrimas de emoção. E ainda nem tinha provado a caipirinha, os bolinhos de feijoada e os pastéis de queijo coalho fritos na hora. Lisboa acaba de ganhar um boteco brasileiro de verdade. Sem alusões a estereótipos, sem aquele clima “wanna be” garota de Ipanema, sem clichês. E ele atende pelo nome de… O Boteco mesmo.
“Ainda precisa ganhar um ar mais sujinho para ficar ‘legal’, tá tudo muito novo”, diz o chef Kiko Martins, idealizador do projeto, com um leve tom abrasileirado. Pra falar a verdade, precisar, nem precisa… Em pleno Largo de Camões, numa esquina onde antes funcionava um antiquário, O Boteco tem uma coisa que poucos estabelecimentos brasileiros conseguem fora do Brasil: ele tem bossa. E ela vai do menu à sátira presente na obra do artista Bordallo II que colore uma de suas paredes, passando pela excelente trilha sonora. Se estivesse numa esquina da Vila Madalena, de Pinheiros ou do Leblon, se mesclaria lindamente à paisagem.
Dono de outros seis restaurantes de sucesso em Lisboa (da sempre lotada Cevicheria ao Talho e à Barra Japonesa, da qual já falei neste post aqui), Kiko tem uma carta inesperada na manga. A despeito do sotaque e da mais portuguesa das feições, ele é brasileiro. Mais: é carioca, filho de mãe recifense e pai português. E viveu no Brasil até os 11 anos de idade, tempo mais que suficiente para chamar feijoada ou moqueca de comida caseira. “Quindim, brigadeiro, pastel, bobó, picanha, escondidinho… tudo isso tem um grande valor sentimental para mim”, diz ele, que ainda tem três irmãos no Brasil e costuma visitá-los a cada dois anos. “Eu cresci com sabores brasileiros e tropicais e quis fazer uma homenagem à minha história e a um país fantástico.”
A homenagem chega à mesa sob a forma de espetinhos de coração de galinha escoltados por uma farofa crocante, com pedacinhos de torresmo (€ 4,80); pastéis de vento fritos na hora, recheados com queijo coalho (€ 6,20); dadinhos de tapioca com goiabada picante (€ 6,30); sandubas (sim, o menu diz sandubas!) de pernil (€ 9,30); pães de queijo (€ 4,60). O toque contemporâneo do chef aparece aqui e ali – como nos excelentes bolinhos de feijoada (€ 6,40), coroados por uma gotinha de gel de maracujá. Os ingredientes portugueses também, mas com comiseração – como no bobó de camarão e… bacalhau, ora pois (€ 19,40). Ao lado dos petiscos, é claro que não poderia faltar as vedetes da baixa gastronomia de boteco: feijoada (€ 18,70) e picanha (€ 27,40).
Como toda boa casa portuguesa, com certeza, a carta de bebidas tem mais vinhos do que qualquer outra bebida. Mas as caipirinhas (€ 8,90) brilham – e além do clássico limão (lima, em Portugal), tem também os sabores de maracujá e goiaba. Para encerrar, tem de bolo de brigadeiro e avelãs (€ 6,90) a Romeu e Julieta com bolo de fubá (€ 6,80), mas eu fico pelo quindim (€ 6,70). Um quindim que, se não me ganhou de imediato pela opacidade e pelo tom amarelo clarinho, revelou todo o seu sabor ao ser escoltado por pérolas de tapioca e leite de coco (além de gotinhas surpreendentes de gel de maracujá e coentro!). Fui capaz de atravessar o Atlântico várias vezes nas poucas horas que passei por ali. E o que ecoou na minha cabeça nos dias que se seguiram foram os melhores acordes de Iara Iarucha, Iara Iarucha, Iarucha cha…
Anote aí: O Boteco fica na Praça Luís de Camões, 37, e funciona sem intervalos entre o almoço e o jantar (das 12h30 à meia-noite), todos os dias.
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