Tapada de Mafra: playground da realeza de Portugal
Dormimos no quarto de D. Carlos I, rei de Portugal entre 1889 e 1908, entre javalis, veados, gamos e um céu coalhado de estrelas
“Mariiiiia, Mariiiiiia, ó Maria!” Segundos após o chamado, salta do bosque um gamo (animal semelhante ao veado, com o chifre espalmado) serelepe, seguido por outros da espécie. Chegam perto, demonstram familiaridade, deixam-se estar. Não demora e aparece um javali, dois, e, de repente, uma família inteira, com direito a três filhotes listrados.
“No final da tarde eles vêm dar as boas-vindas”, diz Paula Simões, diretora da Tapada Nacional de Mafra, onde estávamos, enquanto nos apresenta o casarão de cor ocre e janelas verdes onde passaríamos a noite a sós. A familiaridade aos animais ela atribui aos meses em que morou ali – quando notou a intimidade com a bicharada, descobriu que já era a hora de ir embora, brincou ela. E desapareceu na estrada nos deixando com a chave do mais recente Patrimônio da Humanidade de Portugal (decretado pela UNESCO este ano) em mãos.
Fazia um fim de tarde dourado e calorento. Ficamos ali, cercados pelos animais, até quase escurecer por completo. Do lado de dentro, a casa de campo de quase 200 anos exibe fotografias de seus ilustres frequentadores do passado, animais empalhados nas paredes, brasões nas cortinas. Do quarto do rei D. Carlos, onde passaríamos a noite, dava para ver uma bonita fonte que ele mandou construir nos fundos. E o pavilhão de caça, erguido por ele em 1890, logo ao lado.
Uma das janelas se abria diretamente para a copa frondosa de um secular Castanheiro da Índia que teria sido plantado pela rainha D. Amélia – um serviço de jantar exposto na sala da casa mostra a árvore ainda pequenina pintada na louça para um jantar especial oferecido pelos reis. Àquela hora da noite, imersos num completo silêncio e na escuridão profunda, não parecia exagero o slogan da tapada: Floresta Encantada.
Criada em 1747 como um verdadeiro playground da realeza, a Tapada Nacional de Mafra ocupa uma área de 1.200 hectares de floresta e é completamente cercada por um muro de 21 quilômetros de extensão (daí a designação “tapada”). Sua função era ser o espaço de recreação do rei e sua corte, que haviam fincado os pés em Mafra alguns anos antes, com a construção do belo palácio-convento no coração da cidade, considerado uma das obras-primas do barroco em Portugal. Entre os séculos 18 e 20, a mata funcionou como parque oficial de caça nos seus arredores. Hoje, é uma das principais atrações desta região a cerca de 40 quilômetros de distância de Lisboa.
Acorda-se cedo na floresta. Tão logo os raios de sol começaram a atravessar a bruma e os galhos das árvores, saímos para um passeio pelas trilhas demarcadas, ainda completamente a sós. Com o frescor do amanhecer, vimos ainda mais animais. Dezenas, talvez centenas deles. Veados enormes, gamos camuflados, javalis desinibidos passeando tranquilamente pela floresta. Um tempinho sem avistá-los e basta fixar o olhar: eles estão mesmo por toda a parte. Fomos embora extasiados, antes de os portões se abrirem para os visitantes, com a sensação de termos feito algo proibido. Dormimos mesmo na Floresta Encantada? Aquilo foi real?
Anote ai: a Tapada Nacional de Mafra está aberta aos visitantes todos os dias de 9h30 às 18h30. Há diferentes modalidades de visita – é possível percorrer as trilhas da floresta a pé, de bicicleta ou em um trenzinho, sempre em meios aos animais selvagens. Entre as atividades, é possível participar de um ateliê de apicultura, de uma demonstração de voo de aves de rapina, de práticas de arco e flecha e de um circuito de arvorismo (apenas aos finais de semana). Os bilhetes custam desde € 4. Um pack com o passeio de comboio + ateliê de apicultura + demonstração de voo de aves de rapina custa € 12 por adulto e € 9 por criança. A casa de campo pode ser alugada, mas os pedidos são analisados um a um enquanto não são concluídas algumas reformas.
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