Costa Rica: 50 tons de verde

Ou como usar o Instagram para retratar a Costa Rica, o pequeno país da América Central que é um gigante da conservação ambiental

Por Caco de Paula
Atualizado em 14 jul 2021, 13h18 - Publicado em 9 jan 2013, 13h45

O avião canadense DHC 6 Twin Otter é conhecido por operar em pistas pequenas. Bastante adequado, portanto, às modestas condições de decolagem na Baía Drake, na Costa Rica. O voo parte com lotação completa, 19 passageiros e dois pilotos. Ao deixar a pista, o avião dá uma sambadinha no ar antes de estabilizar e descortinar o espelho verde do Pacífico sob a luminosidade única do lugar. Kay segura firme a mão de Jay, sorri e fica hipnotizada pela paisagem à janela: imensas florestas, montanhas e nuvens, reais e refletidas. O casal de americanos escolheu estar ali porque, anos atrás, lutando contra uma doença muito grave, Kay decidiu que não morreria antes de ver com os próprios olhos um par das inconfundíveis araras-vermelhas da Costa Rica.

Não foi por acaso que o impulso de vida de Kay a tenha levado para um lugar que se projeta como exemplo de valorização da teia da vida. Com 5% de toda a biodiversidade do planeta, mas numa área equivalente à do Rio Grande do Norte, a Costa Rica mantém um quarto de seu território como área protegida e está a caminho de se tornar o primeiro país carbono neutro do mundo (que não emite mais carbono do que consegue capturar com a manutenção de suas florestas e outros serviços ambientais). Isso tem tudo a ver com suas condições únicas. É diversa em espécies e em ecossistemas – característicos tanto no litoral caribenho como na Costa do Pacífico, nas serras e nos montes vulcânicos. E tem muito a ver com florestas e com querer, e saber como, preservá- las. Nesse país tão verde, o lugar que se mantém mais conservado é a Península de Osa, onde está a Baía Drake, que o aviãozinho vai deixando para trás. Conta-se que foi nessa região, com aparência de paraíso intato há dezenas de milhões de anos, que o escritor Michael Crichton se inspirou para criar a Isla Nublar, cenário de seu Jurassic Park.

Kay e Jay, contudo, não escolheram seu destino por isso, mas porque, entre os 35 parques nacionais e as oito reservas biológicas da Costa Rica, o lugar mais provável para avistar as araras-vermelhas é o Parque Nacional Corcovado, a que se chega a partir de Drake. Corcovado é a maior área de floresta nativa na costa do Pacífico, tida como uma pequena Amazônia da América Central. Tem oito habitats, de mangue a montanha. Ali só há duas estações: chuvosa e muito chuvosa. É a floresta tropical úmida, em alguns aspectos semelhante à brasileira, com enorme riqueza de vida. É admirável que os sistemas vivos se expressem de tantas formas diferentes, adaptando-se uns aos outros e ao ambiente, cada um com sua maneira muito própria de “interpretar” a energia que transformam a partir da luz solar, da umidade e dos minerais. Só em Corcovado há 400 espécies de pássaros, 116 de anfíbios e répteis, 139 de mamíferos, além de variedades botânicas.

Foi em outro parque, dias antes, quando tive o primeiro contato com a floresta na Costa Rica, que meus olhos foram atraídos pela multiplicidade de tons de verde. Durante a visita ao Bosque Lluvioso Caribe y Pacífico, em um trajeto de teleférico, pude observar as copas das árvores de cima e comecei a fazer fotos com iPhone para registrar essa variedade. Mais tarde comecei a publicá-las no Instagram, que é ao mesmo tempo aplicativo e rede de compartilhamento de fotos. Notei que cada conjunto de folhas parecia “interpretar” a luz do sol à sua maneira. Era como se as folhas, em incessante fotossíntese, tivessem de se exibir numa variedade imensa de tons de verde em que a repetição não é a chave, e a melhor cor, se houver, será sempre a próxima. Território livre para testar fotos com luminosidade alterada, o Instagram se mostrou ideal para registrar todos esses verdes. Fiz muitas fotos com iPhone e algumas com uma Canon de bolso, a G12. Antes de publicá-las, realcei as tonalidades com o aplicativo Snapseed. E, para que esse conjunto não se perdesse no oceano de 5 bilhões de fotos do Instagram, publiqueio sob a hashtag #50tonsdeverde (acesse também pelo instagram.com/caco001).

A Baía Drake, na Costa Rica, e sua floresta úmida similar à da Amazônia A Baía Drake, na Costa Rica, e sua floresta úmida similar à da Amazônia

A Baía Drake, na Costa Rica, e sua floresta úmida similar à da Amazônia – Foto: Caco de Paula

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No dia em que conheci Jay e Kay, no café da manhã no hotel, algumas pessoas mostravam as demais fotos da véspera. Jay é um exímio observador de pássaros e estava equipado com uma Nikon com duas possantes teleobjetivas. Acabaram vendo minha coleção de tons de verde e, nas caminhadas, Kay chegou a me sugerir alguns dos registros que eu viria a fazer, sempre torcendo para que o próximo fosse da arara- vermelha. A população de Ara macao, ou guacamayo rojo, como diz o costariquense, ou scarlet macaws, como falava Kay, já foi comum nas planícies de todo o país, mas agora está restrita a poucos lugares. No Parque Corcovado às vezes é possível apreciar a revoada de um bando que chega para se banquetear nas amendoeiras à beira da praia.

Exploramos o Parque Corcovado em um pequeno grupo. Numa das paradas, conversamos um pouco sobre outros lugares da Costa Rica, e confirmei, ali, a boa impressão que tinha da gestão dos parques. No Bosque Lluvioso, de administração privada, fiquei surpreso com o cuidado com a acessibilidade. Ali é possível entrar no coração da floresta na companhia de alguém de 100 anos, de uma criança de 2 ou de um cadeirante. A experiência é memorável, confortável – e acessível. No Parque Corcovado e na Reserva Biológica de Isla del Caño, ambos geridos pelo governo, a estrutura, ainda que mais modesta e rústica, é primorosa se comparada à da maioria das áreas de conservação da América Latina. O mundo tem algo a aprender com a Costa Rica. O Brasil muito ganharia observando as gestões ambiental e de turismo desse país que preferiu não ter Exército e que experimenta dar valor a ativos que, se não financeiros agora, fazem parte da riqueza essencial. É o tal capital natural, que, somado ao crescente capital relacional, tem feito da nação um lugar de influência inversamente proporcional a seu tamanho. Merecem atenção a agrofloresta (a produção de café orgânico junto das matas nativas tem produtividade maior que a das plantações “normais”) e as políticas de incentivo ao verde (o governo paga até quando você faz uma cerca viva).

Ao fim da jornada, a constatação de que não seria dessa vez que veria a arara-vermelha parece não ter decepcionado Kay. Ela viu muito mais do que esperava, pois é isso o que acontece quando se está em ambiente muito diverso. E, quando o aviãozinho chegou à capital, San José, onde nos despedimos, Kay me disse que havia de voltar ao país. Afinal, como ainda não vira as araras, continua sem autorização para morrer e, portanto, tal qual a Costa Rica, é melhor que celebre a vida.

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