A espantosa beleza da Dama de Cao: uma relíquia do norte do Peru

A múmia da governante moche exibe tatuagens em um corpo incrivelmente preservado depois de 1700 anos

Por Fábio Vendrame
Atualizado em 16 dez 2016, 08h20 - Publicado em 29 out 2012, 16h31

Ai-apaec, a divindade suprema mochica, também domina o complexo de El Brujo, no Vale de Chicama, a 60 quilômetros de Trujillo. Ali foi encontrada em 2006 a Dama de Cao, uma das descobertas arqueológicas mais impactantes dos últimos tempos que ajuda a reescrever e a compreender melhor a cultura moche. Os trabalhos foram conduzidos pelo arqueólogo peruano Régulo Franco Jordán, atual diretor do Museu Cao, com recursos da Fundação Wiese.

Pela quantidade de ornamentos, joias e oferendas cerimoniais que acompanhavam seu enterro, certamente a personagem encontrada a 8 metros de profundidade na Huaca Cao Viejo exerceu um papel de alta hierarquia na sociedade moche. Havia, por exemplo, 15 colares de ouro, cobre e pedras preciosas, 44 narigueras (adorno que cobria a boca dos personagens importantes) finamente trabalhadas – muitas combinam dois tipos de metal, como ouro e prata –, 4 coroas de cobre dourado, além de diademas e outras relíquias. No total, o fardo funerário pesava mais de 100 quilos e foram precisos oito meses de trabalho para abri-lo por completo.

Ela também estava acompanhada por símbolos cerimoniais de poder, entre eles armas de uso exclusivo da elite. Na entrada da tumba havia um vaso de cerâmica com a imagem de uma coruja, símbolo de sabedoria associado a xamãs, curandeiros e líderes espirituais. “Uma corrente de estudiosos sustenta que a Dama de Cao teria sido uma sacerdotisa”, explica Mercedes Castillo Olivos, historiadora que também atua como guia.

Nunca antes havia sido encontrado um enterro tão nobre dedicado a uma mulher – ela teria vivido por volta de 350 d.C. e morrido bastante jovem, com cerca de 25 anos, em decorrência de complicações pós-parto. Agora os historiadores sabem que, ao contrário do que se supunha, as mulheres também ocupavam cargos de comando desde tempos remotos nas civilizações sul-americanas.

Além do suntuoso espólio da Senhora de Cao, impressiona também o estado de conservação de seu corpo. O cabelo negro e comprido está dividido em duas longas tranças que alcançam a cintura. E, graças ao processo de mumificação a que foi submetida, sua pele permanece intacta: braços, pernas e pés exibem tatuagens de aranhas, serpentes e felinos estilizados. Depois de 1.700 anos, ela ainda parece viva. De arrepiar. Confira com seus próprios olhos no Museu Cao.

El Brujo fica perto da cidadezinha Magdalena de Cao, a uma hora de carro de Trujillo. O complexo arqueológico compreende as Huacas Prieta, Partida e Cao Viejo e começou a ser edificado pelo povo moche por volta do ano 200 d.C.

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A maior pirâmide chegou a alcançar 30 metros de altura sobre uma base de 120 metros quadrados. Teve quatro etapas de construção: o templo principal, de formato escalonado, é o resultado de quatro edifícios superpostos, um construído sobre o outro, prática adotada pelos moches provavelmente depois de a área ser atingida por terremotos ou chuvas torrenciais – a desértica costa peruana sofre influência direta do fenômeno climático El Niño.

Como ocorre em outros templos mochicas, as paredes exibem desenhos policromados em alto relevo com representações de cenas rituais e, claro, a assustadora e transcendental imagem do deus Ai-apaec. Contam por ali que ele sempre aparece com os olhos vidrados e a bocarra escancarada por causa dos efeitos alucinógenos do cacto de San Pedro, amplamente consumido em ritos e cerimônias de elevação espiritual nas culturas pré-colombianas.

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