A proliferação de fetiches

Cada vez mais roupas e produtos de marcas populares lá fora são vendidos como artigos de luxo no Brasil – por um preço absurdo

Por Rachel Verano
Atualizado em 16 dez 2016, 09h17 - Publicado em 7 set 2011, 18h34

Outro dia fui ao Shopping Iguatemi, em São Paulo, e voltei escandalizada. Como pode um chinelo da Camper, a marca espanhola de sapatos que eu mais amo, custar exatos 398 reais? Um chinelo de plástico metido a besta, que nem bonito é? E uma máquina de café da marca suíça Nespresso por 1 700 reais, que tal?

Eu já tinha visto vestidinhos básicos na rede de roupas básicas espanhola Zara por 299 reais. Blusinhas simples por quase 100. Sandálias a quase 200. Juro, não entendo. Para mim, essa loucura toda começou com as calças da italiana Diesel, que aqui nas vitrines do Brasil custam mais de 1 000 reais. Os jeans que desbancaram em vendas a marca americana Calvin Klein, todo mundo sabe (ou não, sei lá), são vendidos a cerca de 100 euros na Europa. Na época das promoções, caem para 40 euros. Para nós, custam quase dez vezes mais. Viraram fetiche.

Também virou fetiche ter sapato da Camper, mas… Peraí, precisa custar 800 reais? Na Espanha, nunca gastei mais de 100 euros num par (na maioria das vezes custou metade disso). Nas botas de couro, no máximo 250 (tenho até medo de saber quanto custam aqui). Cafeteiras Nespresso custam desde 150 euros em qualquer loja (algumas ainda devolvem um cheque de 50 euros pelo correio). Roupas da Zara saem desde 5 euros, sem exagero. E o Smart, aquele carrinho minúsculo e fácil de estacionar? Custa menos de 15 000 euros, e chegou aqui por cerca de 60 000 reais.

Eu não vou entrar aqui no mérito do imposto de importação (que certamente encarece muito qualquer coisa) e dos quetais do economês. O que mais me intriga é como marcas corriqueiras, do dia a dia, ganham um ridículo status instantâneo de fetiche por aqui. É a coisa mais chique do planeta ter um sapato Camper, uma calça Diesel, uma cafeteira Nespresso (que vira objeto de decoração nas casas, bem mais que a utilidade doméstica que é, apesar do indiscutível apelo do design). Seguindo esse raciocínio, no dia em que a rede de móveis e objetos de decoração Ikea (famosa por oferecer todo tipo de artigos para casa a preços baixos) chegar o Brasil, provavelmente os preços serão compatíveis com os do shopping D&D. E morreria a ideia.

Enquanto for assim, prefiro deixar as coisas no armário. Tô fora desse consumismo desvairado e sem noção. Moral da história: eu, que sempre preguei contra a compração em viagem ao exterior, começo a rever meus conceitos.

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