Minha mania de fotografar grafites começou lá no final dos anos 1970 clicando muros rabiscados por punks na periferia de Londres. Eram ainda fotos analógicas e reveladas em papel. Nunca mais parei. Uma vez, cheguei a pensar em descer do trem perto de Bruxelas só para registrar um imenso gato pisando em flores do outro lado da linha porque da janela do trem uma placa me atrapalhava.
Hoje tenho nos meus arquivos uma coleção sem tamanho de grafites pelo mundo afora. De um tapume na Vila Madalena ao que sobrou do muro de Berlim, de uma tartaruga gigante em Santiago do Chile a um retrato do imperador etíope Hailé Selassié em Budapeste. Tenho de tudo e nunca tive problemas ao fotografar grafites.
Mas eis que, no último verão, andando pelo Bairro gótico de Barcelona, deparei com a porta inteiramente grafitada. Não tive dúvida. Pequei a câmera, foquei e tentei fotografar. Não estava fácil porque não parava de passar gente na Bertrellans, a rua em que estava a porta.
Percebi que, ao meu lado, uma velhinha quase centenária amparada por um andador, parada, me olhava de cima a baixo. Olhava, olhava, e eu tentando o foco. Quando finalmente cliquei, ela perguntou:
– Por que o senhor está fotografando isso?
– Porque acho bonito.
– Bonito, isso?!? O que o senhor vai fazer com essa fotografia?
– Guardar como recuerdo.
A velhinha suspirou, fechou ainda mais a cara e voltou a me olhar de cima a baixo sem dar uma palavra. Foi caminhando em passos lentos até a porta, enfiou a mão trêmula na sacola de pano e tirou um monte de chaves amarradas em uma cordinha. Acabou achando a certa, mas lhe custou enfiá-la no buraco da fechadura daquela porta toda grafitada. Antes de entrar no prédio, virou o corpo e deu uma última olhada fulminante para mim, fazendo aquele sinal com o dedo que não dá para mostrar aqui.
O COLUNISTA
Alberto Villas achava as velhinhas catalãs tão fofinhas…