Estrelas brasileiras

Brasília, Natal, Vitória, Curitiba, Cuiabá e Porto Alegre agora já têm seus próprios Atala

Por Bruno Leuzinger e Renata Mastromauro
Atualizado em 16 dez 2016, 08h13 - Publicado em 17 dez 2012, 17h11

“Esquece. Não vai dar certo. as pessoas querem filé-mignon e risoto.” O chef dinamarquês Simon Lau cansou de ouvir isso em 2005, quando decidiu abrir o Aquavit , em Brasília, cuja proposta é servir menus degustação com receitas fora do óbvio e ingredientes regionais. De lá para cá, algo mudou na cultura gastronômica do país. Alex Atala virou Neymar, e até o Fantástico pegou carona no hype da gastronomia contemporânea, com o chef Felipe Bronze (do restaurante Oro, no Rio) preparando moqueca molecular no quadro O Mago da Cozinha. Dos únicos seis restaurantes três-estrelas do país no GUIA BRASIL 2013, quatro são da linha contemporânea (veja os tops do GUIA no fim desta reportagem). Mais: a cozinha contemporânea de alto nível deixou de ser exclusiva do eixo Rio–São Paulo.

Simon Lau, que acaba de conquistar sua terceira estrela, tem um currículo curioso. Formado em arquitetura, chegou ao Brasil em 1996 de bicicleta, pedalando desde o Caribe. Atuou até como adido cultural antes de cismar de vez com a gastronomia – já trabalhara em restaurantes durante a faculdade. Então, voltou a Copenhague em 2003 e nos meses seguintes labutou em um estrelado Michelin de 335 anos, o Søllerød Kro; no Saison, do chef Erwin Lauterbach (“o Paul Bocuse da Dinamarca”); e no 1th, restaurante-conceito dentro de um apartamento, onde o cliente pagava a conta um mês antes do jantar. De volta ao Brasil, ele comprou um terreno junto ao Lago Paranoá e lá montou sua casa-restaurante. O Aquavit comporta só 25 pessoas, o que ajuda a garantir o esmero artesanal na execução do menu degustação de cinco etapas (como foie gras com canjica de coco e pé de moleque), além de tornar as mesas muito disputadas.

Também pequeno, com 12 lugares, é O Bule, da chef potiguar Sônia Benevides. Em Nísia Floresta, ao sul de Natal, Sônia, outra ex-arquiteta, serve menus de sete etapas em que o cliente não sabe o que vai comer. Mas ela dá uma pista: “Adoro modificar ingredientes simples, como jerimum (abóbora) e macaxeira (mandioca)”. Entre suas técnicas favoritas está o cozimento sous-vide, em baixa temperatura, que potencializa o sabor e a textura da comida.

O Bule é um trocadilho com elBulli, a extinta casa do superchef catalão Ferran Adrià, pai da cozinha molecular, que Sônia não conheceu. Mas outra chef, a capixaba Barbara Verzola, sim: “Eu tive a sorte de trabalhar como assistente de Oriol Castro, que era chef criativo do Ferran”, diz Bárbara, que passou um semestre no restaurante de Adrià, em 2008. Ela e um antigo colega de elBulli, o equatoriano Pablo Pavón, desde 2010 tocam o Soeta, em Vitória. No começo, clientes estranhavam o tamanho pequeno das porções (embora, ao final, saís sem satisfeitos). “Eles diziam: ‘Nossa, mas é só isso?!?’”, conta Bárbara. No estilo da mítica casa catalã, o menu degustação tem até 27 etapas. Cada uma, é bom dizer, dura uma ou duas mordidas – em média, a refeição leva uma hora e meia.

Coxa de frango com espuma de amêndoas e pétalas de rosa do O Bule
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Coxa de frango com espuma de amêndoas e pétalas de rosa do O Bule – Foto: Ligia Skowronski

Em Cuiabá, ainda não é assim. “Temos um menu degustação de cinco pratos que não é muito aceito pelos clientes”, afirma o chef Fernando Mack, que divide a cozinha do Mahalo com a dona, Ariani Malouf. “Nosso foco é no jantar à la carte.” Com receitas de base francesa e sabores brasileiros, como o confit de pato ao molho de açaí, a casa ganhou sua segunda estrela no GUIA BRASIL 2013. Mack, de 34 anos, nasceu em goiânia, viveu em Belém e passou pelo Kinoshita e pelo D.O.M. de seu primo Alex Atala. “O D.O.M.. foi minha grande escola de cozinha e gestão”, diz. Na infância, seu mestre foi o avô, antônio de Freitas Mack, com quem ele e Alex aprenderam as primeiras receitas, como o espaguete de pupunha.

O primo famoso de Fernando Mack parece ser unanimidade entre os chefs contemporâneos. “Alex Atala está em outro planeta”, resume o gaúcho Floriano Spiess. Ex-praticante de luta greco-romana (chegou a disputar os Jogos de Seul, em 1988), ele é o chef do Le Monde Villa Lina, de Porto Alegre, recém-laureado com a segunda estrela no GUIA BRASIL 2013. Em um casarão centenário à beira do Rio Guaíba, Spiess, de 45 anos, serve menus de dez a 12 etapas. Entre as receitas que podem surgir na degustação, um exemplo é o ravióli de beterraba com foie gras e esferas de Sauternes.

DO NOMA PARA CURITIBA

Formada em jornalismo e gastronomia, a paranaense Manoella Buffara tem só 28 anos, mas acumula três temporadas no Noma, de Copenhague (o melhor do mundo pela revista inglesa Restaurant). “Minha primeira vez no Noma foi há sete anos. Quase ninguém conhecia a casa.” Ela se identificara com o chef René Redzepi ao ler sobre ele em uma revista italiana e acabou descolando um estágio. “Eu fazia tudo. A rotina era corrida, mas as pessoas tinham tempo para ensinar.” O que aprendeu, a chef põe em prática no Manu, em Curitiba. Aqui, cardápio à la carte não é uma alternativa: a casa de 30 lugares trabalha só com menus degustação, de quatro a 14 etapas. Entre rolinhos, cremes e espumas de sabor sutil, as opções mudam a cada 30 ou 40 dias e não se repetem mais.

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Em suas receitas, Manu não abre mão dos gadgets. “Uso termomix, termocirculador, sifão, defumador, desidratador, tudo bem moderno”, diz. Conterrâneo de seu mentor René Redzepi, Simon Lau vai na toada contrária. “Estou ficando cada vez menos tecnológico. Meu foco é no sabor e nos produtos.” O chef defende a bandeira dos ingredientes do cerrado. Seu desafio atual é inserir o espinhoso pequi na contemporaneidade. Já conseguiu misturá-lo a lagostim gratinado. “O pequi é como uma trufa. Se você colocar meio litro de azeite trufado na comida, vai ficar horrível. Usando pouco, começa a ficar interessante”, diz Lau.

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