Confesso, sempre tive um certo preconceito contra Las Vegas, que considerava over no estilo, cafona nos hábitos, fake em quase tudo. A Strip, trecho da Vegas Boulevard onde estão os cassinos-resorts, me remetia a cruzeiros regados a bufês insossos, shows edulcorados e caça-níqueis para viciados. E Vegas é um pouco assim – mas com importantes diferenças. Só de Cirque du Soleil, são sete espetáculos em cartaz. Há bufês, e dos bons, como também há restaurantes de chefs estrelados. Nos cassinos, conhecer bem as regras do jogo pode render horas agradáveis com bebida grátis e pouco prejuízo. As baladas são animadas, os clubes de strip te buscam de limusine, e você não passa um dia sem ganhar sorrisos afáveis. Tem gente celebrando o tempo todo. Um sol pra cada um. E uma chavinha etílica que dá sentido àquele delírio todo, da pirâmide do Luxor à Fontana di Trevi do Caesars.
Fazia um sol senegalês quando a van me deixou no Venetian, onde me hospedaria. O complexo de 7 mil quartos (incluindo aí o outro hotel, o Palazzo) traz Veneza de brinde: a fachada gótica do Palácio Ducal, a ponte de Rialto e, Dio mio, canais com gôndolas até dentro do shopping, sob um céu azul pintado no teto. No lobby, uma galeria com afrescos fake e colunas de mármore liga a recepção ao cassino. Do outro lado, 400 passos depois, eu chegava ao meu quarto, 60 metros quadrados com sala, duas LCDs, banheiro todo de travertino. Um quarto desses, comum em Vegas, pode custar menos de US$ 100 a diária, o que faz da cidade uma das mais baratas do mundo em hospedagens de luxo.
O cassino do Venetian foi o primeiro de vários que eu percorreria. Eles são meio iguais, mas mudam de vibe conforme o dia. Nas tardes de sábado, têm clima festivo. Nas madrugadas, são uma terra de oportunidades. Nas manhãs de segunda, recebem gente da manutenção. Sento em uma mesa, Texas Hold’em contra o dealer. Ganho, perco, me irrito por ter de apostar antes do flop (virada das cartas), acho muito lotérico, arrisco um all in (todas as minhas fichas) e saio. Preferi respirar ar puro na Strip, apesar do sol de rachar.
Las Vegas fica no Deserto de Mojave, 426 quilômetros a leste de Los Angeles. Até os anos 1940, era uma parada de beira de estrada com bares-cassinos decrépitos a 260 milhas do banheiro mais próximo. Foram essas pocilgas que deram origem ao que é hoje a Old Vegas, um reduto de cassinos e hotéis meio datados, mas muito autênticos, com os neons mais extravagantes da cidade. Em 1995, o calçadão da Fremont foi coberto por um telão com 450 metros de comprimento, o maior do mundo. Meio século antes, o gângster Benjamin “Bugsy” Siegel, vivido por Warren Beatty no filme Bugsy (1991), vislumbrou na aridez de Nevada um oásis com piscina, restaurantes, bares, shows e cassino para lavar a grana da Máfia – ou alguém pensou que Sin City, a Cidade do Pecado, teria sido idealizada por monges? “Encontrei a resposta para os sonhos da América”, diz o protagonista do filme. “Sexo, amor, dinheiro, aventura… Farei um monumento a isso tudo!” Seu sócio deduz: “Um lugar para segurar as pessoas e tirar o dinheiro delas?” Em 1946, Bugsy inaugurava o Hotel Flamingo, hoje o mais antigo da Strip.
Vegas viveu décadas de pujança antes de a bolha econômica americana estourar, em 2008. No Esplanade, o shopping high-end do hotel Wynn, marcas como Dior, Cartier e Rolex são mato. Projetado antes da crise, o complexo CityCenter, concluído em 2010 no coração da Strip, traduz a última tendência de estilo em Las Vegas, um flerte entre o luxo e a arquitetura contemporânea. Rente à calçada, seu shopping Crystals chama atenção tanto pelas formas pontiagudas quanto pela fachada de LEDs da Louis Vuitton, que cintila em tons de madrepérola. Atrás, as Veer Towers roubam o skyline: único condomínio residencial da Strip, o par de torres tem uma ousada falta de esquadro, projeto do arquiteto alemão Helmu Jahn, o mesmo do Sony Center da Potsdamer Platz, em Berlim.
Os neons históricos de Old Vegas, onde tudo começou – Foto: Diomedia
CityCenter e outros prédios modernos à parte, a salada arquitetônica da Strip é única. Para ser o “playground da América”, a hotelaria local ergueu 17 dos 25 maiores resorts do planeta, atingiu a marca de 150 161 quartos, recorde mundial, e criou mamutes temáticos. Para entrar na pirâmide de vidro do Luxor, por exemplo, você passa embaixo de uma esfinge colossal. Inspirado na Roma antiga, o Caesars tem linhas clássicas, mas não se furtou a construir uma réplica da Fontana di Trevi em plena Strip. No Paris Vegas, além do telhado típico da capital francesa, há uma réplica em escala 2:3 do Arco do Triunfo e uma Torre Eiffel de 160 metros, metade da altura da original. Do alto dela, à noite, a vista para as fontes do Bellagio é de aplaudir de pé.
Encimado por uma discreta coroa, o prédio elegante do Bellagio foi cenário de blockbusters como Onze Homens e Um Segredo, abriga três restaurantes estrelados Michelin (um deles decorado com quadros de Picasso) e até uma galeria de arte. Mas o que faz o hotel ser tão associado a Vegas são suas fontes. Das 3 da tarde à meia-noite, em intervalos de 15 ou 30 minutos, as águas jorram em uma coreografia impecável, embasbacando o público. Ao som de Sinatra, Elvis e outros clássicos, os jatos sobem, dão rodopios, parecem dançar.
Os vários espetáculos noturnos de Vegas – Cirque du Soleil, de estrelas da música, de cantores aposentados, stand-up comedies, burlesques – compõem um menu que eu chamaria de comfort entertainment. Mesmo se o programa não for imperdível, os ótimos teatros e as boas produções garantem a diversão. Dos sete espetáculos do Cirque du Soleil em cartaz, escolhi o Love, no Mirage. A trilha é composta por mashups de hits dos Beatles, com uma qualidade de mixagem que me fez achar que o som vinha de dentro da poltrona – o som vinha mesmo da poltrona. Customizado para o show, o teatro tem alto-falantes em todos os assentos. Junte essa sonzêra com o mise-en-scène pop do Cirque, e as peripécias dos acrobatas quase se perdem de vista.
No meu primeiro dia, digamos, etílico, Vegas começou a se revelar. Comprei uma cerveja na Strip e parei no Carnaval Court, uma enorme tenda ao ar livre com bar e música ao vivo. Atraído pelo ambiente arejado, encostei e tomei mais duas. Então a cantora que esmerilhava hits como Like a Virgin subiu no balcão. Para quem desse uma gorjeta, ela entregava um chicotinho e oferecia seu traseiro escultural, delineado pela calça de vinil. À minha frente, o barman fazia malabarismos com coqueteleiras, arrancando aplausos e trocados. Meio balão, voltei para a calçada e parei na lojinha do Margaritaville, o cassino do Hotel Flamingo, onde vi umas camisetas vintage legais, o que não justificava ter comprado quatro delas. Naquela tarde, eu ainda tomaria mais umas no bar do Margarita, que tem o pop rock mais cool de Vegas; iria ao Caesars para comprar o ingresso de um show, já não me lembrava qual; seria atraído pelas promoções do Casino Royale, US$ 1 a frozen margarita; e, por fim, apagaria no hotel. Acordei com a cabeça latejando. No criado-mudo, dava para ler “Rod Stewart” impresso em um ingresso. Pior, faltavam só 15 minutos para o espetáculo Le Rêve, que eu havia reservado um dia antes.
Paris de Las Vegas
A Cidade Luz da Strip – Foto: Mitchell Funk
Apresentado no teatro do Wynn, o Le Rêve é um raro concorrente do Cirque du Soleil na cidade – no caso, do espetáculo O, ambos baseados em acrobacias aquáticas. No lugar do picadeiro, uma grande piscina esconde plataformas móveis que emergem durante os números do show. Não gostei muito da trilha, mas não faltaram bons efeitos cênicos, nados sincronizados e saltos ornamentais lá do teto. Recuperado da ressaca, rumei para a balada Tao, no próprio Venetian. Ao atravessar o cassino, uma moça breaca de vestido minúsculo abaixava-se para pegar algo do chão, revelando um palmo de calcinha. Quase dei gorjeta. Na danceteria, a área vip espreme um pouco a pista, frequentada por moçoilas produzidas e boys meio poser. Depois de uns bons drinques e muito bate-estaca, saí de lá para caminhar pela Strip de madrugada. À noite, no lugar dos latinos que passam o dia distribuindo santinhos das moças para delivery no hotel, estavam as próprias. Abordado, agradeci às donzelas e entrei no despretensioso cassino Harrah’s.
Ao localizar a sala de pôquer, vi uma única mesa ativa, nove players. A bebida era grátis, e os jogadores pareciam friendly: um moleque rapelando a mesa, um japa torrando as fichas, uma balzaca sexy… Meu objetivo era modesto: fazer os US$ 60 durarem. Depois de várias mãos, recebi um ás e um rei do dealer e cobri as apostas. Meu oponente também tinha um rei, igualando-nos no par da mesa, mas meu ás era imbatível no desempate. Uns US$ 130 de fichas vieram para mim. Ganhei outra mão menor, perdi um pote alto e, após duas horas de jogo, zerei, mas saí satisfeito.
Depois de economizar nos almoços, chegava o momento de gastar no jantar. Vegas viveu um momento tão auspicioso na gastronomia que lhe valeu edições do Guia Michelin em 2008 e em 2009. Anos antes, um boom de chefs badalados havia inaugurado filiais de prestigiosas casas na cidade. Um deles foi Joël Robuchon, o único três-estrelas do guia. Logo na entrada, o maître me mediu de cima a baixo, como se eu não estivesse à altura do candelabro Swarovski, dos vasos Lalique e dos talheres Christofle. O lugar era chique. Na mesa em frente, um figurão em cortes de alfaiate ostentava uma loira Oktoberfest num sofá para seis. O maître, ele de novo, veio à minha mesa. Perguntei do menu de quatro pratos com um sotaque francês da Lapa, ele embarcou, sorriu no oui monsieur, e eu tava em casa. Da espuma de maçã verde com abacate, quase uma mousse, à lagosta fresca com delicado creme de couve-flor, os caras mandaram bem. Meia garrafa de vinho, café expresso e 20% somados, deixei US$ 320. Ouch!
Já que eu tinha o ingresso, fui para o teatro do Caesars para assistir ao Rod Stewart. Cabelos espetados, terno cor-de- rosa, o cantor inglês esbanjou simpatia. Em um palco anos 1980, ele cantou hits, xavecou as backing vocals e desceu à plateia. No telão, mostrou uma videocassetada do cachorro e a capa de seu CD de Natal. Durante uma música inteira, chutou bolas de futebol para a plateia (que beleza!), pegando umas na veia, outras de canela. Show intimista, fechado com uma chuva de balões coloridos.
Não cheguei a perceber muitas conversas em português na cidade, mas Vegas está em alta entre os brasileiros, hoje o público que mais cresce por lá. A CVC espera fechar 2012 com 68% de passageiros a mais para o destino. Na saída do Rod, sábado à noite, a Strip parecia um formigueiro. Os neons do Flamingo piscavam freneticamente, enquanto o trânsito parava a avenida. Na calçada, enfermeiras eróticas posavam para fotos em troca de gorjeta. Sarah, uma “policial” de corselet, me algemou. “Tem um lugar muito legal para você, cheio de garotas. A limo te leva de graça, e a entrada é free. São só US$ 25 por dois drinques”, ela me tentou. Metros à frente, conversei com um tal de Miguel e, dez minutos depois, eu dividia o sofá de oncinha do Lincoln com dois mexicanos e um californiano bêbado.
A cinco minutos da Strip, entrei na penumbra da Treasures. Cerca de 150 mocinhas, todas de biquíni ou lingerie, circulavam entre os clientes para vender suas lap dances, US$ 20 a música. Feito o trato, as mais “reservadas” se esfregavam de frente, depois de costas e finalizavam com um topless, sem que o cliente pudesse tocá-las. As mais libertinas permitiam contatos pervertidos e, em alguns casos, propunham programa em um reservado da casa, como me contou um dos mexicanos. Dois uísques e duas cervejas mais tarde, antes que a situação fugisse ao controle, eu caí fora.
Em seis noites de Vegas, eu me diverti como adulto e até como criança, mas me sinto numa corda bamba do Cirque du Soleil. O que pensará minha querida e amada? O que acontece em Vegas, no meu caso, não fica em Vegas, vai parar na VT. Quer saber? Vou mostrar para ela o texto agora. (…) Pronto. Não fez cara boa, mas entendeu. Afinal, chegaram nossas férias. San Francisco, Los Angeles e VEEEGAAAAAASS!!!