Dias antes de terminar uma recente viagem ao sudeste asiático com minha família, eu tive a convicção de que, depois da frenética Bangcoc, do charme colonial de Luang Prabang e dos monumentais templos do Camboja, minha cota de surpresas estava encerrada. Ledo engano. Ainda havia a antiga Birmânia, hoje Mianmar, pela frente.
Em Yangun, a capital, o povo pelas ruas, o qual se refere a seu país como Burma, parecia tomado de uma embriaguez sem fim pela recente (e ainda incipiente) democratização depois de décadas de ditadura.
Mas o melhor estava por vir: um cruzeiro de quatro noites pelo Rio Irrawady que partiu de Bagan e foi até Mandalay. O barco, com 45 cabines, se chama The Road to Mandalay, homenagem ao poema do escritor Rudyard Kipling. No dia do embarque, em Bagan, pegamos bicicletas e exploramos alguns dos mais de 2 500 templos budistas, com direito a pôr do sol aplaudido com devoção e respeito.
A vida a bordo foi duríssima. Passávamos o dia no deque tomando sol, lendo, conversando e vendo o tempo escoar preguiçoso. De quando em quando, passávamos por meninos de comunidades ribeirinhas que nos davam tchau e retribuíamos. Era um deslizar suave, sem trancos, uma rara sensação de paz.
A carta de vinhos a bordo era variada e, não fosse o coentro, tempero que eu detesto, as refeições teriam sido melhores. Os companheiros de navegação eram heterogêneos, para dizer o mínimo. Havia um galerista londrino, um casal de australianos que insistiu no modelito safári, a diretora de um museu nova-iorquino, um casal suíço elegante e enjoiarado (sim, com muitas joias). Por um momento pensei que seria um bom elenco para um livro da Agatha Christie, ainda mais sendo o barco da rede Orient Express.
Uma das paradas foi em Sagaing, onde vimos mais templos e mais Budas, e a outra foi em Mingun. Em Mingun, embarcamos em carros de boi para admirar algumas maravilhas, como o maior sino do mundo e o pagode Hsinbyume, todo branco e de formas onduladas.
Fim da viagem, hora de acertar o fuso, de organizar as fotos e de começar a ler Dias na Birmânia, de George Orwell. Afinal, nada melhor do que um bom livro para voltarmos a um destino.
→ Rui Porto* se lembra do Mianmar quando crianças no carro ao lado dão tchauzinho
Leia mais:
Check-in ##– Veja outras reportagens da edição de MAIO de 2013 da VT
Mais da coluna Trotamundos ##– La isla bonita