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Viajar de navio é seguro?

O acidente com o Costa Concordia trouxe à tona a discussão sobre a segurança dos navios e a VT entrevistou um engenheiro para elucidar a questão

Por Fabrício Brasiliense
Atualizado em 21 Maio 2021, 18h44 - Publicado em 31 jan 2012, 11h52

O acidente com o Costa Concordia, em 13 de janeiro, deixou o mundo em alerta sobre a segurança dos navios. Viajar de navio, afinal, é seguro. O engenheiro Gerardo Portela, pesquisador e doutorando em segurança offshore da COPPE-UFRJ, diz que sim. Veja a entrevista completa que ele deu à VT:

1. É seguro viajar de navio?

Sim. Não há porque considerar que viajar de navio seja menos seguro do que por outros meios de transporte. O que aconteceu com o Costa Concordia foi um acidente. Acidentes acontecem em meios de transporte, em indústrias, em casa, na natureza e até mesmo em nosso corpo acontecem “acidentes biológicos” que se tornam doenças. Faz parte da vida conviver com riscos, às vezes maiores outras vezes menores e é uma ilusão pensar que estamos absolutamente isentos dele. O que faz uma pessoa correr menos riscos é ser mais cuidadosa, por exemplo, escolhendo empresas e navios que demonstrem seriedade nas questões relacionadas à segurança. Mas isso é para tudo, não apenas para viajar de navio.

2. Em caso de uma emergência dentro do navio, qual o procedimento que deve ser tomado pelos passageiros?

Ao embarcar num navio de cruzeiro, o passageiro sempre receberá um treinamento sobre como proceder em caso de acidente. Muitos passageiros, principalmente os que já viajaram muitas vezes, tentam fugir do treinamento pois pensam que já fizeram uma vez por isso não precisam fazer outro. Estão errados. Cada navio tem um arranjo interno diferente, dimensões, equipamentos, coletes com características diferentes e somente esse treinamento, que é rápido, assegura que o passageiro tenha os mínimos conhecimentos necessários para o momento da emergência. Quando a emergência ocorrer, o passageiro deve seguir as instruções do treinamento e procurar se dirigir para o ponto de encontro estabelecido. Só deve colocar coletes salva-vidas quando requerido pois os mesmos podem atrapalhar o deslocamento e a saída do navio, principalmente se houver alagamento interno. Manter a calma, não insistir em carregar consigo pertences que nunca terão maior valor do que a vida e manter uma postura positiva. Estas atitudes são importantes.

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3. Existe um lugar mais seguro dentro do navio? Os passageiros devem pensar nisso antes de escolher a cabine? Quanto mais alto o deque, melhor?

Teoricamente não existe lugar mais seguro que outro pois os projetos trabalham para proteger sempre aqueles que teoricamente estariam menos favoráveis em cada cenário. Simulações computacionais mostram que há tempos de deslocamento diferentes, conforme a distância e a quantidade de escadas para percorrer até chegar ao ponto de encontro. Também não podemos saber qual o tipo de emergência irá acontecer. Num acidente que afete a estabilidade como o que aconteceu na Itália, talvez fosse melhor não estar nos decks mais baixos. Por outro lado, se o acidente for um incêndio que pode acontecer na cozinha, teatro ou nas áreas de recreação que ficam nos decks mais altos, o deslocamento pelos decks do fundo até o local de abandono, provavelmente seria mais seguro.

4. O que é mais seguro, navegar em alto mar ou na costa? Navio grande é mais seguro que navio pequeno?

Não existe um lugar mais seguro. Existe navio certo para o local certo. A tecnologia de navegação já é madura o suficiente para que se navegue em todos os locais do planeta, inclusive em locais gelados como próximo aos polos. Toda embarcação regularizada possui também uma classificação que determina a quantidade de pessoas, o tipo de atividade de transporte marítimo e as eventuais limitações. Obedecer aos requisitos marítimos internacionais, inclusive sobre a manutenção do navio e obedecer aos procedimentos operacionais com pessoal devidamente treinado, é o que torna a navegação segura.

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5. Qual o risco de um navio encalhar na costa brasileira e no Rio da Prata?

A navegação é tão antiga e evoluiu tanto tecnologicamente que não teria sentido evitar a navegação na costa brasileira, Rio da Prata ou qualquer outro lugar do planeta porque o navio pode encalhar ou porque os ventos podem atuar negativamente, seja na costa ou em alto mar. Encalhar é um acidente, ou seja, se o navio é adequado para uma determinada região e os procedimentos de segurança forem cumpridos com idoneidade, não há motivos para excluir nenhuma rota de navegação. Claro que, se eu decido por conta própria superlotar uma embarcação rudimentar, como acontece em alguns pontos da bacia amazônica de forma irregular sem autorização, aí sim estamos em risco.

6. Pular no mar é indicado em caso de emergência? Não há risco de bater no casco?

Em caso de uma emergência, principalmente longe da costa, o local mais seguro no mar ainda é a própria embarcação, mesmo que avariada. Por isso o capitão deve analisar bem o cenário e somente ordenar o abandono em caso de real necessidade. Se isso acontecer, os meios preferenciais são as embarcações de salvamento e botes ou, caso seja possível, por assistência externa seja aérea ou marítima. Mas há casos em que o acidente evolui e o limite técnico para se fazer um abandono seguro com esses equipamentos é alcançado. Nesse caso extremo, não se podendo mais aguardar na embarcação avariada, pular é sim uma opção, mas a última. Além dos riscos de choque com partes do navio, inclusive partes não visíveis por estarem submersas, há o problema da hipotermia mesmo nas águas de nossa costa. Porém pular com colete adequadamente vestido faz parte do treinamento de toda a tripulação, sendo tecnicamente uma opção extrema, de alto risco que no entanto já salvou vidas em acidentes no passado, como também causou mortes por pura precipitação e pânico.

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7. Você acredita que vai haver mudanças nos procedimentos de segurança dos navios daqui para frente?

Com certeza haverá uma investigação do acidente dentro das normas internacionais a qual resultará em conclusões, recomendações que certamente irão influenciar e possivelmente revisar normas e procedimentos de segurança atuais. Porém, percebe-se no histórico de acidentes recentes com equipamentos de alta tecnologia, como aviões por exemplo, que uma profunda reflexão sobre até que ponto a automação, sofisticação e complexidade tecnológica também tem influenciado nesses acidentes catastróficos. Há suspeitas que os operadores destes equipamentos, acostumados a intervir poucas vezes devido a automação, quando são requeridos a atuar, o são nas circunstâncias em que nem os computadores mais conseguiriam resolver. Isso levanta também a suspeita que talvez esses profissionais, mesmo com todo o treinamento, possam nessas circunstâncias receber uma carga técnica e cognitiva acima da capacidade humana de processamento tanto mental como emocional. Isso merece uma profunda reflexão de toda a comunidade técnica já que o estudo dos Fatores Humanos relacionados ao projeto pode tornar a interação homem X máquina mais adequada e reduzir a possibilidade do tão temido “erro humano”.

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