O Caribe do vizinho é mais gostoso

Os italianos sempre dominaram Los Roques. Mas agora ele é todo nosso – e cada vez mais os brasileiros chegam às ilhas venezuelanas com milhas

Por Cris Capuano
Atualizado em 5 jul 2021, 13h08 - Publicado em 10 abr 2012, 21h33
Ilha Gran Roque, Los Roques
Ilha Gran Roque, Los Roques (/)
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Eram 40 mil milhas acumuladas, um casal apaixonado e uma vontade justificável de encontrar qualquer praia da América do Sul sem ninguém por perto. Foi assim que, depois de desembarcarmos em Caracas pela TAM e lá tomarmos o apertado bimotor da Chapi Air, fomos parar em Los Roques, no Caribe venezuelano. Não somos o tipo de casal que passaria férias na popular Isla Margarita, o destino da terra de Hugo Chávez que ganhou fama entre brasileiros nos remotos anos 1980. Mas sonhávamos com dias e noites vivendo quase como náufragos, em um lugar do tipo Lagoa Azul, o filme de Brooke Shields e Christopher Atkins.

No embarque do bimotor em Caracas, o piloto bateu a porta do avião com uma mão enquanto segurava com a outra uma lata de Coca-Cola. Aviãozinho lotado (a capacidade máxima é de seis passageiros), ganhou altura e subiu a 1 500 metros. O casal de Brasília que estava à nossa frente se segurou mais apertado. Não por amor. Quando o avião saiu das nuvens, até os dois venezuelanos que estavam no banco de trás, funcionários de uma pousada em Los Roques, colaram o rosto na janelinha. Do monótono azul-marinho, o mar virou um gigantesco espelho turquesa protegido pela barreira de corais. Ilhas maiores, ilhas menores e bancos de areia reluziam entre os riscos feitos por lanchas e veleiros. Atraídos pela chance de não colocar a mão no bolso para a passagem aérea, começávamos a descobrir a beleza de Los Roques, e não apenas nós: hoje brasileiros só não são maioria nesse destino no mês de agosto, quando os italianos tiram férias.

“Os brasileiros invadiram Los Roques”, confirma o soteropolitano Fábio Blinder, dono da agência Venebrasil, que vende passagens para lá e desde 2010 entrou para o time de pousadeiros locais – um mercado até agora dominado pelos italianos. De olho no filão, o operador Renato Carone, de São Paulo, leva há um ano e meio uma média de 40 brasileiros por mês para Los Roques. “Cerca de 80% deles vão com milhas”, contabiliza.

“Há um crescimento constante do número de brasileiros por causa do efeito multiplicador de cada viajante”, disse-me o diretor do Parque Nacional Marinho de Los Roques, Nelson Sira. Efeito multiplicador: o bom e velho boca a boca. Os sites das pousadas começam a ser traduzidos para o português. Seus funcionários dizem que “gostam de trabalhar com brasileiros”. Vimos o tamanho do sucesso quando, no Rancho do Luis, um dos raros restaurantes fora da ilha principal, Gran Roque, a mulher do dono colocou para tocar Os Afro Sambas, de Baden Powell, em vez do hit venezuelano Caballo Viejo.

Vá com dólares a Los Roques e não se importe em trocá-los com os pousadeiros, um esquema mais seguro e até mais rentável do que fazer isso nas empresas de câmbio de Caracas. E, se as pousadas, que são residências adaptadas bem ao estilo Fernando de Noronha, não têm preços tão doces, estão longe de cobrar valores de extorsão. Todas ficam em Gran Roque, e a maioria ainda tem chuveiro fio. Quase um detalhe se pensarmos que quase todas oferecem comida boa e jantar com quatro etapas, além de tiramisu na sobremesa. Los Roques era dos italianos, lembra?

Não há pousadas de luxo como a do Zé Maria, por falar em Noronha, mas as de Los Roques também têm seu charme. A minha, La Rosaleda, apesar do chuveiro fio, tinha flores ao lado da cama e um bom ar-condicionado (necessidade básica). No café, as arepas (panquecas de milho) da Valeska me ganharam. Pela manhã, a gerente Adriana acomodava as saladas com pasta e sanduíches para rechear a cava, o “lunch box”, a marmita da praia. Quem tem cooler não tem medo: com ele sobrevivíamos à base de amor e cerveja Solera, a número 1 de Los Roques, que se mantinha geladinha até o sol ir embora.

O vilarejo de Gran Roque é a única ilha habitada o ano inteiro. Concentra cerca de 30 pousadas, uma escola, uma farmácia e uma padaria improvisada entre quatro ruas principais de areia. O barulho do gerador na porta das casas coloridas soa familiar para quem conheceu Caraíva, ao sul de Trancoso, antes da chegada da luz elétrica. Pela vila circulam 1 800 habitantes e, segundo os dados oficiais de 2011, 60 mil turistas por ano. “O aumento dos visitantes brasileiros ficou evidente, e nós gostamos disso. São clientes exigentes como os europeus, mas mais amigáveis, parecidos com o povo venezuelano”, diz Ana Lombardi, sócia do Bar Aquarena. O endereço é um dos poucos que funcionam o ano todo e, mesmo na alta temporada, fecha antes da 1 da madrugada. Perto dali fica o píer de onde saem os passeios de barco. Melhor acordar cedo para combinar a ilha do dia. Porque os dias se repetem exatamente iguais, mas as ilhas são sempre diferentes. Funciona assim: o barqueiro desembarca o casal e depois, zupt!, desaparece no horizonte. Reaparece na hora combinada. Se não há lotação no barco para um só destino, eles trabalham na base do pinga-pinga, deixando um casal ali, outro aqui, entre as 25 ilhas abertas para o turismo das cerca de 50 do arquipélago.

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Dentre elas, segundo Nelson Sira, o diretor do parque, cinco ilhas ainda são de deleite exclusivo dos biólogos e pesquisadores (e das muitas aves). Há ainda outras ilhas com casas particulares, e são elas, muito provavelmente, o alvo principal da declaração do presidente venezuelano Hugo Chávez, de outubro de 2011, sobre “nacionalizar Los Roques”. O administrador não quis adiantar nada sobre o assunto. “O Estado é soberano”, limitou-se a dizer. Difícil assim saber o que vai mudar no arquipélago, se é que algo muda.

Depois de uma semana de amor entre pelicanos e tartarugas, celebrei minha despedida do lugar com um estupendo braseiro de lagosta que, na vaquinha com uma turma de brasileiros que conhecemos, saiu a R$ 30 por pessoa. Com muita Solera incluída. Chato, né? A seguir, veja como aproveitar as melhores ilhas do arquipélago em seis dias de viagem.

Mergulhadores em Boca de Cote, Los Roques, Venezuela Mergulhadores em Boca de Cote, Los Roques, Venezuela

Foto: Os mergulhadores de Boca de Cote – Crédito: Waldir PC

Seis dias perfeitos em Los Roques

Dia 1 – Cayo de Água

Até 2009, Cayo de Água tinha acesso restrito: os barqueiros precisavam pedir permissão à Guarda Costeira e só podiam levar 30 pessoas por dia. Hoje, para que a ilha mais distante de Gran Roque (1h30 de barco) seja só sua, vale sair antes das 9 horas. Assim você será o primeiro do dia a fazer a foto mais famosa de Los Roques no istmo que une a ilha a Punta de Coco, uma fenomenal pincelada de areia branca no meio do mar. O passeio para Cayo de Água geralmente inclui, na volta, um combinado com Dos Mosquises, ilha que sedia a Fundação Científica de Los Roques – versão diminuta do Projeto Tamar, com tanques de filhotes. Mas você não perde nada se ficar mais uma horinha em Cayo de Água e passar batido pelas tartarugas. Depois das 4 da tarde, os 25 guarda-sóis que dividiam a praia conosco foram embora e ela voltou a ser só nossa.

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Dia 2 – Crasquí

Corruptela do inglês Crab Key (Ilha do Caranguejo), Crasquí está a apenas 30 minutos de barco de Gran Roque e faz parte das ilhas “com restaurante”. Em um deles, o Rancho do Luís, pé na areia, comemos uma lagosta a BsF (bolívares fuertes) 250, ou cerca de US$ 35. O lugar é rústico, mas tem redes ventiladas para a sesta. É boa pedida para quem, por deslize, ficar sem cooler. Mas, ainda assim, não vá sem bebida e um lanche extra. Antes do almoço, compramos a última garrafa de água do pedaço. No istmo que une a ilha a Punta de Coco, uma fenomenal pincelada de areia branca no meio do mar. O passeio para Cayo de Água geralmente inclui, na volta, um combinado com Dos Mosquises, ilha que sedia a Fundação Científica de Los Roques – versão diminuta do Projeto Tamar, com tanques de filhotes. Mas você não perde nada se ficar mais uma horinha em Cayo de Água e passar batido pelas tartarugas. Depois das 4 da tarde, os 25 guarda-sóis que dividiam a praia conosco foram embora e ela voltou a ser só nossa.

Dia 3 – Noronquí + Rabusquí

Noronquí não é apenas uma ilha, mas logo três. A mais procurada é Noronquí de Abajo, uma piscina natural onde flutuam tranquilonas as tartarugas marinhas. Como eu sou do contra, optei por Noronquí del Medio. Quem deu o conselho foi sábio: ali eu e meu namorado pudemos experimentar a sensação de náufragos com que sonhávamos antes, dividindo a praia com um único outro casal. E a praia é enorme, selvagem, com vegetação rasteira atrás da areia lotada de caracóis e conchas. Na água morna (26 graus em média), mergulhamos o dia todo com uma multidão – de peixes coloridos. As tartarugas apareceram mais tarde, relaxadas sem humanos por perto. Das Noronquí fomos a Rabusquí, uma ilha conhecida por sua piscina natural forrada de estrelas-do-mar. A ilusão lúdica de ver o céu dentro d’água é outra experiência que se vive em Los Roques. Como se não bastasse toda a vida marinha do dia, uma raia decidiu apareceu por lá de surpresa, dando o maior susto na gente.

Dia 4 – Francisquí

Francisquí del Medio (ou da Piscina) é um passeio bate e volta de cinco minutos. Há uma proliferação meio chata de puri-puris, as muriçocas locais. Fora isso, Francisquí é uma delícia, com trechos bonitos para caminhadas, ventos sedutores para o kitesurfe e sombras de árvores – coisa rara em todo o arquipélago. Em frente à piscina natural rasa e transparente ancoram veleiros. Curtimos o ócio num dia em que acordamos tarde, lembrando os tempos de praia no Nordeste: lá tem barraca com deque de madeira e pescados à la plancha.

Dia 5 – Boca de Cote

Quando não estão em Francisquí, os kitesurfistas vão a Bajo Fabian. É o maior entre os muitos bancos de areia do arquipélago, no caminho do principal ponto de mergulho autônomo da região, a distante Boca de Cote. Sem cilindro, apenas com máscara e nadadeiras, já se vê muita coisa naquele mar, onde a visibilidade chega a 50 metros. Nos mergulhos mais profundos, entre 15 e 35 metros abaixo da superfície, espere encontrar lagostas, garoupas, moreias e barracudas.

Dia 6 – Sebastopol

No extremo oposto de Cayo de Água, Sebastopol é o lugar mais ao sul do arquipélago. Um excelente ponto de snorkeling na boca da barreira de corais. Por ser distante, exige que se feche um grupo para convencer o barqueiro. No nosso estavam a bancária carioca Fernanda, de 32 anos, e seu marido, Luiz, de 40, além de outros cinco brasileiros. Na parada em um santuário de água azul e mangue cheio de pelicanos, eu soube que Luiz é mergulhador e já conhecia Fernando de Noronha. Eles preferiram Los Roques para a lua de mel – onde iriam gastar menos e ficar mais tempo. Com R$ 4 800, o preço de um pacote de quatro noites em Noronha, ficaram oito dias em Los Roques “sem celular, sem sapato e sem relógio, prestando mais atenção no outro”, como disse Fernanda. Naquele dia de praia “cheia” (nosso barco era o único) também estavam os paulistanos Tiago e Vanessa, que namoram há dez anos e sonham com um casamento na Polinésia Francesa. Vanessa sofreu um pouco com o chuveiro fio, mas parecia bem feliz: as férias românticas de uma semana custaram ao casal R$ 3 400. E algumas milhas.

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Na próxima página, veja o Guia VT: onde ficar, comer, passear, como chegar, transportes e documentos

GUIA VT

Los Roques (58/414)

Ficar

As pousadas do grupo Caracol (237/414-5566, www.caracolgroup.com; diárias desde US$ 200 por pessoa, com pensão completa e passeios) têm quartos com frigobar, chuveiro quente e ar-condicionado. Também com chuveiro quente, a La Cigala (236-5721, www.lacigala.com; diárias desde US$ 140 por pessoa, com pensão completa) conquista os hóspedes pelo estômago. O mesmo acontece na pousada Acuarela (237/221-1228, www.pousadaacuarela.com; diárias desde US$ 195 por pessoa, com pensão completa), onde a cozinha torna os 11 quartos (com chuveiro quente) coadjuvantes. A Mediterraneo (215-2292, www.posadamediterraneo.com; diárias desde US$ 150 por pessoa, com café e jantar) tem lancha privativa. A Acquamarina (310-1962, www.posadaacquamarina.com; diárias desde US$ 134 por pessoa, com pensão completa) e a graciosa La Rosaleda (123-1046, www.posadalarosaleda.com; diárias desde US$ 80 por pessoa, com café) são opções simples, com chuveiro frio e ar-condicionado.

Comer

Fechar pensão completa com as pousadas vale a pena. Quem não entra no esquema acaba no Aquarena (www.aquarena.com.ve; 17h/1h), que serve sushis e ceviches, e na Barraca da Agripina (rua principal de Los Roques; 9h/17h), com empanadas de lagosta (na época) e sanduíches de pargo a BsF 50. Em Francisquí, uma das poucas ilhas com restaurante (as outras são Crasquí, Madrisquí e Carenero), a Casa Marina (de novembro a abril; 12h/17h) tem lagosta à la plancha por BsF 120. Sob reserva (um dia antes), pousadas aceitam não hóspedes para o jantar.

Passear

Os passeios de barco são tabelados: de BsF 50 a BsF 160. Para mergulhar, procure a Arrecife Divers (212/730-8080, www.divevenezuela.com). No site www.los-roques.com você encontra veleiros para alugar com tripulação a bordo.

Como chegar

Os voos diretos de São Paulo a Caracas pela TAM (0800-5705700, www.tam.com.br) e pela Gol (0800-7040465, www.voegol.com.br), desde US$ 610, exigem pernoite na capital e podem sair na faixa se você tiver milhas acumuladas (20 mil por pessoa). Sem elas, siga via Bogotá pela Avianca (11/4004-4040, www.avianca.com.br), desde US$ 927, ou via Panamá pela Copa (0800-7712672, www.copaair.com), desde US$ 960, para evitar o pernoite – e perrengues – em Caracas. O aeroporto internacional está anexo ao Maiquetía, de onde saem os voos para Los Roques. As passagens custam entre US$ 200 e US$ 290 via agências e pousadas.

Documentos

Viaje com RG recente (com menos de dez anos) ou passaporte. Não há exigência oficial do certificado de vacinação contra febre amarela.

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Quando ir

Em Los Roques faz sol o ano inteiro (média de 29ºC). Em abril, você ainda pega a rebarba da temporada de lagosta.

Quem leva

A Ambiental (11/3818-4600, www.ambiental.com.br) tem aéreo e quatro noites na Caracol, desde US$ 2 134. Se você tem milhas, paga desde US$ 1 484 pelo mesmo pacote. Na Venturas e Aventuras (11/3872-0362, www.venturas.com.br), cinco noites na La Cigala custam desde US$ 1 670. Na Resorts Online (11/3257-3111, www.losroques.com.br), o pacote com passagem aérea via Bogotá (sem penoite em Caracas) e cinco noites na Acquamarina custa desde US$ 1 739. Na Venezuela, a Venebrasil (416/930-0970, www.venebrasil.com.br) facilita a compra do voo desde Caracas. Os voos da Chapi (www.chapiair.com), da Aereotuy (www.tuy.com.br) e, em breve, da Albatros (www.albatrosair.com) não têm horários compatíveis com os da chegada a Caracas de voos diretos desde o Brasil. Você vai ter de pernoitar na capital. Aceite a oferta de assistência da sua pousada em Los Roques ou opte por um hotel que tenha traslado, como o Eurobuilding (212/902-1111, www.eurobuildong.com.ve; diárias desde Us$ 239), a cinco minutos do aeroporto. É mais seguro.

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