O dono do pedaço

Espólio do Senhor de Sipán, descoberto em 1987, ainda causa espanto; arqueólogos seguem escavando a região de Huaca Rajada, também aberta à visitação

Por Fábio Vendrame
Atualizado em 16 dez 2016, 08h20 - Publicado em 29 out 2012, 16h33

A saga do famoso Senhor de Sipán começa quando os arqueólogos peruanos Walter Alva e Luis Chero tomam conhecimento de que caçadores de tesouros haviam profanado uma tumba na Huaca Rajada, a 30 quilômetros de Chiclayo. Corria o ano de 1987 e o Peru vivia um dos piores momentos de sua história. Assombrado pelo Sendero Luminoso, o país ainda tinha a economia corroída por uma inflação descontrolada.

Alva e Chero decidiram isolar a área e iniciar o trabalho arqueológico na região de Sipán, onde está a Huaca Rajada e outras edificações mochicas. Enquanto isso, a polícia tratava de recuperar o vasto material que havia sido retirado e estava sendo vendido pouco a pouco a colecionadores de relíquias. Um deles em especial, o italiano Enrico Poli, adquiriu várias das peças profanadas em Sipán. Ele as exibe em um museu particular em Lima.

Apenas 30% das riquezas retiradas ilegalmente de Sipán foram recuperadas pela polícia peruana. O FBI também interceptou peças que haviam sido levadas clandestinamente para território americano. Uma delas, um ornamento de ouro específico para ser usado na perna, seria vendida por 1,6 milhão de dólares.

Apesar da proteção policial, os arqueólogos sofreram constantes ameaças de morte durante o período em que duraram as escavações na Huaca Rajada. Resistiram e acabaram recompensados com a descoberta do primeiro sarcófago intacto de um governante pré-colombiano: o Senhor de Sipán.  Até então os “huaqueros” (caçadores de tesouro) sempre haviam chegado antes, profanando os santuários (huacas) e carregando consigo tudo o que podiam para vender a colecionadores de antiguidades. As culturas pré-colombianas costumavam enterrar seus mortos com todos os bens materiais que possuíam em vida, o que motivou constantes saques às tumbas.

O ineditismo da descoberta correu mundo e não tardou para tornar famoso o Senhor de Sipán, nome dado ao governante máximo do povo moche que reinou absoluto por volta do ano 250 d.C. Em seu sarcófago havia centenas de oferendas, joias, vestimentas, adornos em ouro, prata e cobre, além de sacrifícios humanos e de animais. Conforme correspondia aos semideuses, com ele foram enterradas três mulheres, uma criança, um guardião, um vigia, um sacerdote, um cachorro e duas lhamas. Sacrifícios eram parte do ritual de vida e morte mochica.

No inventário da tumba constam ainda materiais exóticos muito apreciados na época e procedentes de localidades situadas a milhares de quilômetros. Exemplos disso são as turquesas trazidas da Argentina ou do sul do Peru, o lápis-lazúli do Chile, as conchas Spondylus do Equador e o ouro do lado oriental dos Andes.

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Todo o rico e vasto espólio extraído dos 16 contextos funerários encontrados até o momento na Huaca Rajada – os trabalhos arqueológicos continuam – está exposto no Museu Tumbas Reales de Sipán, em Lambayeque, a 15 minutos de Chiclayo. Distribuído nos três andares do moderno prédio de formato piramidal inspirado nas antigas huacas mochicas, o acervo está composto por mais de 5 mil peças. Visita imperdível e surpreendente.

O espólio do Senhor de Sipán é, sem dúvida, o mais suntuoso, mas o do Velho Senhor de Sipán também impressiona. Com ele havia, por exemplo, uma das obras-primas da ourivesaria moche: um colar composto por dez peças independentes de ouro com aranhas levando a cabeça do governante no ventre e, na parte de trás, serpentes com cabeça de ave representando os deuses da água e do vento.

Tamanho esplendor atordoa os visitantes. “Estou completamente incrédula com o que estou vendo”, comentou uma turista italiana. Ela e o marido tinham os olhos tão arregalados quanto os de Ai-apaec, o deus supremo dos moches, a quem o Senhor de Sipán e todos os demais governantes paramentados em ouro rendiam tributos.

No Santuário Sipán, onde está o complexo arqueológico de Huaca Rajada, os arqueológos seguem na lida diária. Escavam as ruínas em busca de novas pistas sobre a história das primeiras civilizações sul-americanas.

Ali os turistas podem ver de perto as representações dos contextos funerários mais importantes nos lugares em que foram originalmente encontrados. No centro de apoio aos visitantes, há restaurante, lojinhas de artesanato e um ótimo museu de sítio.

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