O extraordinário reino esculpido na areia

Em Chan Chan, capital do Reino Chimú, paredes e muros lapidados reverenciam a lua e criam ambientes labirínticos na maior cidade de barro da América

Por Fábio Vendrame
Atualizado em 16 dez 2016, 08h20 - Publicado em 29 out 2012, 16h29

Imenso labirinto de barro, a monumental Chan Chan fica a cinco quilômetros do centro de Trujillo. A maior cidade de barro da América, declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco desde 1986, foi a capital do Reino Chimú, civilização posterior aos moches que prevaleceu na costa peruana por 600 anos até ser submetida pelos incas por volta de 1470.

Adoradores da lua e exímios artesãos, os chimús exerceram controle sobre um vasto território entre o Pacífico e os Andes. Edificaram cidades impressionantes em adobe e esculpiram paredes e muros com figuras mitológicas e elegantes desenhos geométricos. Também registraram animais como pelicanos, esquilos e peixes, entre outros. 

Em seu auge, Chan Chan ocupou área superior a 20 quilômetros quadrados e chegou a abrigar algo em torno de 100 mil pessoas. Hoje em dia a visita se restringe ao setor conhecido como Palácio Nik An (anteriormente chamado Tshudi), um dos nove espaços similares da aristocracia chimú identificados arqueologicamente. O abastecimento da cidade era feito por meio de cisternas – supõe-se que dispunham de um eficiente sistema de canalização artificial.

Cercado por muralhas de sete metros ou mais, o Palácio abriga praças cerimoniais, armazéns para estocagem de alimentos, recintos privados, uma plataforma funerária e outros espaços, além de alas inteiras com paredes e muros talhados com figuras mitológicas em baixo relevo. A disposição labiríntica de seus ambientes desafia a imaginação dos visitantes em meio às ruínas do que um dia foi a capital de um reino. Acredita-se que era uma forma de controlar o acesso aos centros administrativos e de evitar o roubo das imensas riquezas acumuladas pelos soberanos.

O último governante chimú foi Minchancaman, que acabou subjugado pelos incas e levado a Cusco. Esse capítulo marca a consolidação definitiva do Império Inca e sua soberania na América do Sul.

Em delicado estado de conservação, Chan Chan foi vítima de furtos e saques ao longo de séculos e também tem sofrido com a degradação ambiental. As chuvas, antes raras e cada vez mais frequentes, ameaçam a integridade de Chan Chan. Para minimizar estragos ou simplesmente evitar que a cidade se desmanche, suas ruínas estão protegidas por uma cobertura impermeável.

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A poucos quilômetros da ancestral cidade de barro está a Huaca del Dragón (ou do Arco-Íris), um dos conjuntos mais emblemáticos da arte chimú de lapidar muros. Serpentes de duas cabeças, seres mitológicos, guerreiros, animais e cenas ritualísticas ornamentam o templo.

Ali pertinho as mãos de Ángel Estevan Tamay Vargas seguem moldando o barro como faziam moches e chimús. Natural do Vale de Chicama, há 45 anos ele se dedica a fazer réplicas das peças encontradas nos sítios arqueológicos da região.

“Apenas aos 30 e poucos anos me dei conta da minha verdadeira vocação. Reproduzir o trabalho de nossos ancestrais é algo que me fascina e alimenta a alma”, diz ele, aos 78 anos. Mas nem todos os trabalhos à venda reproduzem peças autênticas. “Às vezes, também moldo meus sonhos no barro.”

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