República Tcheca: beleza interior
Castelos, vilarejos, termas luxuosas e uma das melhores cervejas do mundo. Esse pequeno país tem muito mais Pragas do que se imagina
Para muitos turistas, brasileiros ou não, a República Tcheca é um destino que começa e termina nos limites de Praga, sua belíssima capital. Eles talvez não saibam que jogar todas as suas fichas na cidade é um desperdício. O país é um dos lugares mais interessantes e (ainda) acessíveis da Europa.
Em um território que dá para ser atravessado facilmente de carro, há muito a ser desvendado. Para quem gosta de cerveja, tem Pilsen – cidade que emprestou seu nome à categoria mais popular dessa bebida – e Ceske Budejovice. Fora do circuito etílico, Cesky Krumlov, Litomysl, Kutná Hora e Olomuc são lugares lindos e cheios de história.
Há ainda um punhado de palácios construídos nos tempos em que a nação – um pouco menor do que a área de Rio e Espírito Santo somados – pertencia ao Império Austro-Húngaro. Era uma época em que a nobreza e a elite europeia fequentavam os elegantes hotéis nas estações termais das cidades próximas à Alemanha e que hoje se chamam Frantiskovy Lazne, Marianske Lazne e Karlovy Vary.
Muita coisa mudou na República Tcheca desde a primeira vez em que pus meus pés ali. Foi em 1990, quando o lugar, aliás, nem esse nome tinha. Junto com os vizinhos da hoje Eslováquia, ela formava a Tchecoslováquia, um país constituído logo depois da Primeira Guerra Mundial, em 1918, e que existiu durante quase 75 anos.
Para os boleiros, esse país tinha uma seleção de respeito, principalmente em 1934 e 1962, quando foram vice-campeões mundiais. Em 1962, aliás, perderam do Brasil de Vavá e Garrincha na final; e em 1970, no Tri do México, tomaram outra chapuletada do escrete, mas na primeira fase. Até onde se sabe, o memorável sinal da cruz feito pelo atacante Petras ao comemorar o gol de honra da Tchecoslováquia não lhe valeu reprimendas do regime.
Pois bem, meses depois da queda do Muro de Berlim, vi tropas de soldados soviéticos em Praga, e não se entrava ali sem visto. Os guardas eram mal-humorados, e os restaurantes fechavam cedo e serviam comida ruim em mesas coletivas. A partir de 2004, quando a República Tcheca passou a integrar a União Europeia, muita coisa melhorou.
Para começar, tchau, burocracia: agora não há mais visto. Esqueça também as cidades cobertas pela fuligem e com cara de abandonadas. Hoje em dia, mesmo os vilarejos menores são floridos e bem-cuidados, com restaurantes e hotéis charmosos pelo caminho.
E, se Praga passou a praticar preços parisienses, o resto do país ficou num certo limbo que faz bem para o bolso. Em uma viagem pelo interior da República Tcheca, a despeito de sua boa rede ferroviária, ter um automóvel à disposição dá muita flexibilidade para curtir os vilarejos e desvendar os segredos mais escondidos.
Um roteiro interessante pode começar e terminar na Alemanha, que tem voos diretos desde o Brasil. No meu caso, saí de Deggendorf, a 154 quilômetros de Munique, e atravessei a fronteira rumo a Cesky Krumlov para uma viagem Pragaless.
Romance e loiras geladas
Cesky Krumlov, 175 quilômetros ao sul de Praga, é um daqueles lugares que nos fazem perguntar onde estávamos com a cabeça que jamais havíamos posto os pés ali. O primeiro impacto vem do impressionante Castelo de Krumlov, do século 13. Por ordem dos muitos senhores que passaram por ele, foi sendo ampliado durante cinco séculos, o que explica a mistura dos estilos gótico, renascentista, rococó e barroco.
Há uma rede de túneis que o liga ao Mosteiro dos Freis Menores e ao Convento das Clarissas. Um de seus ambientes mais bacanas é o antigo teatro em estilo barroco, em funcionamento até hoje. Do lado de fora da antiga fortaleza fica uma vila de aspecto medieval, 14 mil habitantes e algumas centenas de casas e edifícios históricos.
Separada da fortaleza pelo Rio Moldávia, a cidade é uma versão d’antanho de Ouro Preto ou Paraty, com restaurantezinhos charmosos, artistas de rua e lojas de artesanato simpáticas, daquelas nas quais não faz muito sentido entrar se você for homem e estiver sozinho.
Uma cidade bastante inspiradora, algo que o pintor austríaco Egon Schiele também devia achar, já que a tinha na conta de sua preferida – era, bem verdade, a cidade de sua mãe. Schiele produziu algumas de suas melhores obras na região, e muitas delas estão expostas em uma antiga cervejaria, hoje transformada na Galeria Egon Schiele, no Centro.
A apenas 28 quilômetros pela estrada 34 fica Ceske Budejovice. Ali se produz outra lenda: a Budvar, cerveja pilsen que indico a todos os leitores e respectiva parentaiada maior de 18 anos. O nome Budweiser da famosa marca americana não é mera coincidência.
No final do século 19, nos tempos do Império Austro- Húngaro e do alemão como idioma oficial, Budvar era Budweis (Budweiser quer dizer “originária de Budweis”). A bebida acabou inspirando dois imigrantes de origem alemã que foram fazer a América, Eberhard Anheuser e August Busch, a chamar de Budweiser a cerveja best-seller que produziriam.
Todos os dias, das 9 às 17 horas, a Budvar abre para visitação. Se à noite você ainda quiser seguir no tema, as mesas mais animadas para curti-la no Centro não tão preservado da cidade são as dos bares Budvarka Pivnice e Potrefená Husa.
Não é exagero dizer que a história da cerveja se divide em a.T. e d.T. (antes e depois dos tchecos). Ali se revolucionou o jeito de fabricar a bebida, com o processo de baixa fermentação. Tudo aconteceu em Pilsen, cidade a 56 quilômetros da fronteira com a Alemanha (e a 133 de Ceske Budejovice).
ronicamente, ela já foi conhecida como local de produção de uma das piores cervejas da Europa. Era uma bebida escura, amarga e tão ruim que, em 1838, nada menos que 36 barris repletos foram virados na praça principal da cidade. Depois do fiasco, o conselho municipal reuniu-se em uma sessão de emergência e decidiu pela contratação de um novo mestre-cervejeiro, o alemão Josef Groll. Foi um gol de placa. Groll colocou em prática um método de fermentação que revolucionou a forma de fazer – e de beber – cerveja nos quatro cantos do mundo.
Ele criou uma bebida dourada, borbulhante, sob medida para ser consumida gelada. Dá para sentir o gosto de uma legítima pilsen na Pilsner Urquell, a principal fábrica da cidade. Para os que ainda tiverem sede de saber mais sobre ela, há o bem montado Museu da Cerveja.
E, para arrematar, vale conhecer pubs muito charmosos da cidade, como o Stara Sladovna, o U Salzmannu e o Pilsner Unique Bar, em que a pilsen é servida em torneiras de chope instaladas nas próprias mesas. Muitos fãs da cerveja optam pela dobradinha etílica (visitam Pilsen e, em seguida, Ceske Budejovice, ou vice-versa). No meu caso, por razões logísticas, preferi fazer um roteiro maior e ir a Pilsen na última etapa da viagem, já na volta à Alemanha.
Pelos caminhos da Moravia
Pequena lição de geografia: a República Tcheca é dividida em dois setores, a Boêmia, que ocupa a parte oeste do país, incluindo Praga, e a Morávia, a leste, que corresponde a um terço do território. Para quem segue por este caminho, vindo de Ceske Budejovice pela estrada 34, a primeira escala interessante é a pequena Telc, a cerca de 89 quilômetros de distância.
De suas ruas, as casas coloridas nos estilos renascentista e barroco, interligadas por arcadas, já saltam aos olhos. Mas tudo fica melhor quando visto do topo do Castelo de Telc, em estilo gótico, a construção mais imponente da cidadezinha.
Para explorar ainda mais a Morávia, a partir de Telc preferi seguir um roteiro que me levou a cidades pequenas, mas recheadas de boas atrações. A região produz ótimos vinhos brancos, sobretudo nos arredores de vilarejos como Znojmo, Mikulov, Velke Pavlovice e Velke Bilovice.
Uma de minhas paradas foi em Trebic, a cerca de 35 quilômetros pela estrada 23. Seus principais pontos turísticos são o antigo gueto judeu, um dos mais bem preservados do país, e a Basílica de São Procópio, do século 12. Depois segui para Olomuc, a antiga capital da Morávia.
A cidade tem nada menos que 12 igrejas na área central, incluindo a Catedral de São Venceslau, em estilo neogótico, a mais importante do país durante nove séculos. Além delas, outras atrações bacanas são a Praça Horní Námestí, a principal da cidade; o Rednice, imponente prédio da prefeitura, em estilo gótico, erguido em 1378; e, à la Praga, um relógio astronômico, este aqui 100% Cortina de Ferro: em vez de santos, a cada hora saem das entranhas do objeto figuras representando operários e camponeses.
Olomuc é ótima base para quem vai à Áustria ou à Eslováquia. Mas, como meu plano era rastrear mais tesouros tchecos, preferi voltar na direção oeste e manter o ritmo das estradinhas. Segui pela E-442 rumo a outra cidade de nome estranho: Litomysl. O grande barato aqui é seu Castelo-Renascentistade- Cair-o-Queixo. Ele mantém até hoje os salões com móveis antigos e obras de arte do século 18, época em que os Valdstejn-Vartenberk mandavam e desmandavam no pedaço.
Também no caminho de Praga, 84 quilômetros adiante, fica Kutná Hora, importante produtor de prata na Idade Média. Ali há uma monumental catedral dedicada a Santa Bárbara, a padroeira dos trabalhadores das minas, e o Castelo Hrádek, que já foi sede de uma Casa da Moeda e hoje abriga o Museu da Prata. Há objetos de época e acesso aos túneis da antiga mina. Não custa rezar para Santa Bárbara na hora de se aventurar pela escuridão de suas galerias.
Antes de seguir em frente, fiz uma escala no subúrbio de Sedlec para ver a Capela de Todos os Santos, construída com ossos humanos. Em 1870, o decorador Frantisek Rint teve a ideia de usar cerca de 40 mil ossos de um antigo cemitério de vítimas da peste negra para refazer o templo. Esquisito é pouco, mas Rint caprichou na missão e fez do macabro uma verdadeira obra de arte.
Gosto de maçã
A região da Boêmia e o regresso para a Alemanha e seu salsichão com chucrute eram meus próximos objetivos. Rápido pitstop para o castelo medieval em Karlstejn, do século 14, pertinho de Praga, uma das atrações mais visitadas da República Tcheca. Nos seus limites está um parque nacional com trilhas muito agradáveis.
No carro novamente, meu destino seria, agora, sim, as cidades próximas a Pilsen e as termas que embelezam a região. Nos tempos do Império Austro-Húngaro, Franzesbad (hoje Frantiskovy Lazne), Marienbad (famosa entre os cinéfilos por ser cenário do filme cabeça do francês Alain Resnais, hoje Marianske Lazne) e Karlsbad (agora Karlovy Vary) viviam lotadas de grã-finos, aristocratas e intelectuais.
Vinha gente da estirpe de Franz Kafka, Thomas Edison, Ludwig van Beethoven, e até reis, como Eduardo 7o. O sangue azul não corre mais ali como outrora, mas os spas seguem luxuosos e as confeitarias, que é que me falam mais ao coração, idem.
Confesso que não achei nada mau deixar a República Tcheca por ali, levando na boca e na memória o gosto da maçã do mais legítimo apfelstrudel, folhado inventado nos tempos em que aquele pedaço era o centro do mundo e que, se me perguntassem, seguiria sendo.
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