Atualizado em 01/07/2015
Aproxima-se o fim da tarde de sábado e, em meio à suave queda de temperatura que anuncia os primeiros ares de inverno em São Joaquim, a família Ferraz se mobiliza para organizar o farto piquenique com que os visitantes serão recebidos na vinícola Monte Agudo. Enquanto a bioquímica Álida estende uma grande toalha colorida sob os parreirais e o pediatra Leônidas revisa a limpeza dos talheres e o brilho das taças, cabe à filha do casal, a sommelière Carolina, tirar da cesta uma delícia atrás da outra. Em um instante surgem pães e bolos de diversas qualidades e geleias preparadas ali mesmo. Por fim, garrafas com os vinhos da casa, as principais estrelas do evento, são colocadas com cuidado em seus lugares. Perto das 5 da tarde, os enoturistas começam a chegar – e logo se sentem em casa pela forma afetuosa com que são recebidos. “Isto aqui é mais do que um negócio: é um sonho, um projeto de vida”, diz Leônidas no breve discurso de boas-vindas.
A Monte Agudo aprimora cada vez mais sua degustação. Agora os vinhos harmonizam almoços criados por chefs convidados todos os fins de semana. No início, contudo, a ideia dos Ferraz era apenas ter um plano B para a aposentadoria. Eles compraram terras em São Joaquim motivados pela notícia de que o clima da região seria muito propício à produção de uvas para vinhos finos. A quase 1 400 metros de altitude, São Joaquim e a vizinha Urubici são consideradas as cidades mais frias do Brasil, com temperatura média anual de 13 graus e invernos em que nevar é a regra. “As maçãs sempre se deram bem por aqui, e, grosso modo, as condições climáticas ideais são semelhantes para maçãs e uvas”, disse à VT o consultor e doutor em enologia Jean Pierre Rosier. Que Baco proteja Rosier: suas pesquisas atestaram que as uvas viníferas teriam futuro em São Joaquim. “O frio noturno retarda a maturação e dá mais tempo para que os frutos desenvolvam propriedades de sabor, aroma e cor”, explica Rosier.
Piquenique sob as parreiras na vinícola Monte Agudo
Enquanto os Ferraz plantavam 6 hectares de mudas das variedades chardonnay, cabernet sauvignon e merlot, cerca de dez outros empreendimentos semelhantes iam sendo desenvolvidos nas redondezas, envolvendo 15 diferentes tipos de uva. Não tardou para que se comprovassem as expectativas sobre a qualidade dos rótulos locais, que ganharam o respeito dos especialistas. “Quem decidir subir a Serra Catarinense pode ter certeza de que experimentará excelentes vinhos”, diz Arthur Azevedo, diretor-executivo da Associação Brasileira de Sommeliers.
Mais do que a qualidade das uvas, no entanto, o grande atrativo de São Joaquim parece ser a maneira como o vinho é partilhado, sempre com cuidado e afeto dignos de velhos amigos. Assim como na Monte Agudo, na Villaggio Bassetti os visitantes são recebidos pelo casal de proprietários – o engenheiro químico José Eduardo Bassetti e a psicóloga Eliana –, e a degustação é embalada com relatos dos dois sobre as alegrias e as dificuldades de montar e manter uma vinícola. Na Abreu Garcia, já no município vizinho de Campo Belo do Sul, a grande atração é a natureza do entorno. O prédio da vinícola foi erguido diante de uma vasta paisagem serrana, com direito a igrejinha de pedra e até um geoglifo, um grande círculo em alto relevo no chão. A formação é tida como sagrada para os índios caigangues que habitavam a região antes da colonização.
O que espera o visitante na vinícola Abreu Garcia, em Campo Belo do Sul
Mais conhecida vinícola da região, a Villa Francioni chama atenção pela arquitetura. Repleto de vitrais, mosaicos e móveis garimpados ao redor do mundo, seu prédio foi concebido em detalhes por Manoel Dilor de Freitas, na época também dono de uma grande empresa do setor cerâmico de Santa Catarina. Freitas morreu em 2004, meses antes de experimentar os primeiros vinhos de sua própria lavra. Foi-se o homem, ficou a obra, administrada agora pela família. “Mais parece uma galeria de arte”, admirou-se a funcionária pública paranaense Luciane Lucas ao visitá-la, ao lado do marido, o bancário Roberto Borges. Trata-se, aliás, de um lugar perfeito para casais, embora crianças sejam bem-vindas. A produção anual é de 150 mil garrafas, resultante de dez variedades de uvas – oito tintas e duas brancas – cultivadas em 50 hectares. O topo de linha Michelli, cuja garrafa custa R$ 180, é produzido com uvas sangiovese, cabernet sauvignon e merlot.
Na Villa Francioni, o valor do ingresso pode ser revertido na compra de vinho após o passeio
Diferentemente do que ocorre na Serra Gaúcha, a tradição do vinho em São Joaquim não tem raízes italianas. Não espere ver beldades usando trajes típicos ou pessoas esmagando coreograficamente uvas com os pés. As vinícolas de São Joaquim, cidade colonizada pelos tropeiros que percorriam o caminho entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, são empreendimentos de profissionais dos mais diversos setores que se tornaram admiradores do vinho ao longo da vida.
Para o turista que não é tão fanático por vinho, a região têm algumas boas surpresas. Merece ser visto o Morro da Igreja, em Urubici, famosa por ter sido o local onde foi registrada a menor temperatura do Brasil – 17,8 graus abaixo de zero, em junho de 1996. E, para os amantes das estradas cênicas, não há nada como a tortuosa Serra do Rio do Rastro, que liga as montanhas ao litoral catarinense.
A Pedra Furada, marco natural do Morro da Igreja
Antes de concluir a visita a São Joaquim, passe pela Casa do Vinho. Só ali é possível ter acesso, de uma só vez, ao menu completo de quase 200 rótulos produzidos na região – alguns chegam a ter preços melhores do que os praticados nas próprias vinícolas. “Recebemos muitas pessoas que entendem de vinho, e garanto que não fazemos mau papel”, diz Vilson Borges, o proprietário, que estudou enologia e também arrisca uma pequena produção própria que faz questão de oferecer ao visitante. Simpático e sorridente, ele sintetiza o jeito de ser de quem vive naquelas paragens. Borges é a evidência de que não apenas beber, mas fazer e compartilhar o vinho deixa as pessoas muito felizes.
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