Uma pirâmide no meio da cidade. Uma pirâmide formada por milhares de tijolinhos de barro. Tijolinhos de barro sobrepostos e colocados lado a lado, como livros numa estante, mas com o espaço de um dedo entre eles para evitar que desmoronem em caso de terremotos. A terra treme todo dia na costa sul-americana do Pacífico. Todo dia, sem faltar um. Penso nisso e me surpreendo a cada vez que recordo da Huaca Pucllana, em Miraflores, esse bairro lírico de Lima.
A Huaca Pucllana é um assombro de arquitetura no meio da metrópole. Sua grande pirâmide alcança 25 metros de altura, equivalente a um edifício de dez andares. Um grande centro cerimonial feito de barro e erguido entre 200 e 700 d.C. pelo povo que ocupava o que hoje é a capital do Peru. Esse povo, o povo lima, se desenvolveu nos Vales de Chancay, Chillón, Rímac e Lurín, por onde hoje se esparrama uma cidade de 9 milhões de habitantes.
Na época, cerca de 1500 anos atrás, os limas fizeram da Huaca Pucllana um local de culto e devoção a suas divindades. Ali, portanto, transcorriam os momentos mais importantes da vida social daqueles idos. As pessoas se reuniam para render homenagens e sacrifícios – humanos, inclusive – para seus deuses. Mulheres e crianças eram oferendas desejáveis e muito apreciadas pelos governantes.
Os prédios modernos de Miraflores (ao fundo) colorem o horizonte da grande pirâmide de Huaca Pucllana – Foto: Fábio Vendrame
A religião tinha o mar como inspiração. Das águas salgadas tiravam boa parte de seu sustento, embora também trabalhassem a agricultura – construíram canais de irrigação a partir dos rios que irrigam os vales da região. Cultivavam principalmente milho, feijão, abóbora e pallar (espécie de ervilha), além de frutas típicas do pedaço, como a chirimoya, lúcuma e goiaba.
Esse antigo centro cerimonial pré-inca fica a poucos quilômetros do mar. O oceano aparece frequentemente representado por desenhos de ondas plasmados em vasos e outros objetos de cerâmica. A curiosa figura de um tubarão bicéfalo também é recorrente na iconografia característica da Huaca Pucllana.
Grandes banquetes cerimoniais, em que a carne de tubarão era o prato principal, faziam parte dos cultos ali praticados. Os limas também costumavam quebrar numerosa quantidade de objetos de cerâmica – sempre ornamentados nas cores branca, vermelha e preta – em seus rituais de vida e morte.
Enterrro wari no sítio arqueológico: cultura dominou os limas depois de 700 d.C. e antes da chegada dos incas – Foto: Fábio Vendrame
Pouco a pouco, destino comum a todas as culturas pré-colombianas, os limas começaram a declinar e terminaram anexados pelos waris por volta de 700 d.C. Os waris precederam o domínio inca e fizeram de Pucllana um cemitério. Há muitos nichos com enterros em determinados setores do sítio arqueológico.
Essas e outras histórias são contadas hoje, depois de 30 anos de escavações no local. A equipe de investigação continua empenhada em novas descobertas. Atualmente, 25 operários e oito arqueólogos se dedicam a escavar e a registrar o que encontram e veem na Huaca Pucllana. Dizem que a principal estrutura do local ainda não foi explorada.
Uma equipe de 25 operários dá prosseguimento aos trabalhos de limpeza e escavação – Foto: Fábio Vendrame
De qualquer forma, parte das ruínas simplesmente desapareceu para dar lugar a uma avenida. A Huaca Pucllana mantém apenas 30% de sua construção original intacta. Mesmo assim, domina o bairro de Miraflores.
A entrada custa 12 soles por pessoa e dá direito ao acompanhamento de um guia bilíngue (espanhol e inglês). No local há ainda um museu de sítio e um refinado restaurante, boa pedida para reviver um banquete ao estilo lima – mas sem precisar fazer nenhum sacrifício, pelo menos até a hora de pagar a conta.
A simpática alpaca vive na Huaca Pucllana e está acostumada ao assédio das máquinas fotográficas dos turistas – Foto: Fábio Vendrame
Há um refinado restaurante no sítio arqueológico: opção para um banquete à moda lima – Foto: PromPerú/ Divulgação
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